sexta-feira, 15 de julho de 2016



15 de julho de 2016 | N° 18582 
CLÁUDIA LAITANO

A dor sem nome


Muita gente já observou a curiosa ausência de uma palavra específica que defina a condição de quem perde um filho. Se existem “órfãos” e “viúvos”, pareceria natural que a linguagem cotidiana tivesse produzido uma expressão que desse conta, sozinha, do buraco existencial causado pela morte de um filho. Nem mesmo Shakespeare, que enriqueceu a língua inglesa com mais de 1.700 expressões nunca empregadas antes dele (muitas, mais tarde, traduzidas e adotadas por outros idiomas), foi capaz de inventar uma palavra para embalar o luto de seu único filho homem, Hamnet, que morreu com apenas 11 anos – há quem diga, porém, que o dramaturgo escreveu sua obra-prima mais emblemática, Hamlet, sob o impacto dessa perda.

Além da morte, separação definitiva, há uma outra dor relacionada aos filhos que permanece não nomeada: o rompimento. Filhos adultos ocupados demais com as próprias vidas para destinar aos pais já idosos algo mais do que o “teatro do afeto” – visitas esporádicas e algum apoio material quando necessário – são quase um lugar-comum em uma época de famílias minguantes e pouco treinadas no exercício do amparo aos mais velhos. 

Esse tipo de abandono, porém, em geral é lento e nem sempre implica algum tipo de desentendimento consciente e verbalizado. Não menos triste, mas talvez ainda mais difícil de entender, é o rompimento afetivo voluntário do filho adulto que, por um motivo ou outro, rejeita a convivência com o pai ou a mãe. Não é tão banal quanto romper um namoro ou desfazer uma amizade, mas não chega a ser raro – e o fato de se falar tão pouco sobre isso apenas confirma o quanto o assunto é difícil.

O filme Julieta, em cartaz em Porto Alegre, apanha muito bem a dimensão trágica do rompimento de um dos laços mais fortes que podem existir entre duas pessoas. No novo filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, baseado em contos da escritora canadense Alice Munro, a personagem principal é mãe de uma menina, que, ainda adolescente, sem conflitos que pudessem sinalizar algum tipo de mal-estar mais evidente, decide desaparecer. Sem deixar traços.

Abandonados por um grande amor, uma mulher ou um homem podem, em algum momento, esquecer o passado e amar de novo – a fila anda, dizem. O que o filme de Almodóvar e os contos de Alice Munro sugerem é que a fila não anda pra frente – nem volta para trás – quando se trata do amor de um filho. Fica-se ali parado, no mesmo lugar, até que a dor se transforme em uma espécie de segunda pele – que também não tem nome.

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