quarta-feira, 27 de julho de 2016



27 de julho de 2016 | N° 18592 
DAVID COIMBRA

Destemidos e covardes

Terminei o texto de ontem com um “mas”.

A importância do mas é geográfica. Faz toda a diferença estar a leste ou a oeste do mas. Dizer “Letícia Sabatella é linda, mas é chatola” é diferente de dizer “Letícia Sabatella é chatola, mas é linda”. Quando a palavra “chatola” se instala a leste, ou seja, depois do “mas”, estou insinuando que Letícia Sabatella é tão chata, que não vale de nada ela ser linda. Quando a palavra “chatola” muda-se para oeste do “mas”, estou afirmando que a beleza de Letícia Sabatella lhe dilui a chatice e que ela talvez até tenha alguma chance comigo.

Mas o mas a que me referia era de outra natureza. Vinha depois daquela ideia de que o medo da guerra garante a paz. Trata-se de uma teoria dos anos de Guerra Fria, como lembrei – Estados Unidos e União Soviética tinham tanto poder de destruição, que hesitariam em atacar-se e, assim, jamais entrariam em guerra.

Mas... isso só funciona se há medo da morte. Americanos e russos, em sua maioria, têm medo da morte.

Mas... na Crise dos Mísseis, ficou provado que nem todos compartilham desse sentimento saudável. Durante aquelas duas semanas de tensão, em que o mundo prendeu a respiração, esperando a III (e última) Guerra, os americanos mandaram um avião de espionagem sobrevoar Cuba. Esse avião era o U2, que depois viraria nome de uma banda que faz algumas boas músicas, mas que é meio chatola, como a bela Sabatella. Os russos, achando que era um avião de ataque, abateram-no como se fosse uma perdiz, e o piloto morreu. Os generais americanos, furiosos, queriam atacar a União Soviética, o que detonaria a guerra, acabando com toda a vida na Terra, sim, mas evitando que os humanos se tornassem seres errantes em busca do Pokémon Go.

Foi Kennedy quem conteve os militares americanos, comentando, depois, com um assessor:

– A vantagem desses generais é que, se eu fizer o que eles querem, nenhum de nós estará vivo para dizer que eles estavam errados.

Do lado de lá do que Churchill chamou de Cortina de Ferro, foi Kruschev quem segurou os cães pela coleira, ganhando muitos inimigos, entre eles Fidel Castro, que estava ansioso para lançar algumas bombas nos Estados Unidos.

Veja só: se não fossem os políticos, a III Guerra Mundial teria sido desencadeada meio século atrás. Por que os políticos tiveram bom senso e os militares não? Porque o político precisa se relacionar com as outras pessoas. Isso é a política – é a arte da negociação. Fidel, na época, era mais militar do que político, donde sua insana gana de guerra.

Hoje, qual é a maior chaga do mundo? Homens que não temem a morte e não respeitam a vida. Parecem destemidos; não passam de covardes que matam e mutilam crianças pequenas, mulheres grávidas, velhos doentes, pessoas que não estão em luta e nunca lhes fizeram mal. Não há políticos entre eles, porque políticos de verdade dialogam. Só há fundamentalistas religiosos, militares belicosos, gente sem amor a nada nem a ninguém. O equilíbrio foi quebrado. Se esses homens tiverem acesso às armas mais letais do planeta, a destruição mútua estará assegurada.

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