sábado, 2 de julho de 2016


02 de julho de 2016 | N° 18571
REPORTAGEM ESPECIAL

IPE UM PLANO ÀBEIRA DO COLAPSO


RECLAMAÇÕES de cobranças ilegais, falta de especialistas para atender os usuários e atraso nos repasses a hospitais e médicos estão na lista de problemas do Instituto de Previdência que, em 2015, teve prejuízo de R$ 107 milhões

Com 1 milhão de usuários e 8,9 mil médicos e estabelecimentos credenciados, o Instituto de Previdência do Estado (IPE) é o mais abrangente plano de saúde gaúcho. Tamanho gigantismo resulta em problemas de igual proporção. Enquanto pacientes reclamam de cobranças ilegais, demora na marcação de consultas e exames, escassez de especialistas e recusa na autorização de procedimentos, o instituto contabiliza prejuízos sucessivos e descontrole administrativo-financeiro. O atual panorama demonstra que, neste ano em que completa meio século de existência, o plano que propicia assistência médica e hospitalar a 10% da população do Estado está a caminho do colapso.

Em 2015, o Fundo de Assistência à Saúde, que custeia todas as operações médico-hospitalares do IPE, registrou déficit de R$ 107,3 milhões. Só nos primeiros cinco meses de 2016, o prejuízo é de R$ 27,3 milhões. Projeções feitas por auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontam para perda crescente, chegando a R$ 879 milhões em 2023. Conforme o relatório do TCE, esse descompasso encaminha “para uma situação de insustentabilidade, com resultados que inviabilizarão o IPE-Saúde”.

O desequilíbrio econômico tem várias causas. A maior é o crescimento exponencial dos gastos. De 2004 a 2014, as despesas dobraram, enquanto o volume de contribuições subiu 40%. Para 2016, a previsão é de que sejam gastos R$ 2 bilhões. Do universo de 1 milhão de usuários, 408 mil são dependentes, portanto não pagam mensalidade. O aumento da idade média dos segurados eleva o valor dos dispêndios, e a permissão para desligamento voluntário faz com que servidores mais jovens e com salários mais altos deixem de repassar a cota de 3,1%. Ou seja, quem precisa de mais serviços médicos paga barato em relação aos planos similares – em contrapartida, quem prescinde de assistência e deveria contribuir com valor maior não se associa.

– Está desenhada a desgraça. É difícil encontrar solução. Quem sabe aumentar a contribuição, estabelecendo valor fixo conforme o salário do segurado – diagnostica Álvaro Guedes, especialista em Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

SEM FLUXO DE CAIXA E APENAS 56 SERVIDORES


A esse quadro, somam-se o atraso nos repasses da cota patronal pelo governo do Estado, também correspondente a 3,1% sobre os salários de cada beneficiá­rio, e a negligência administrativa. Nos últimos anos, o IPE deixou de cobrar dívidas, manteve contratos deficitários com quase um terço das prefeituras e órgãos públicos conveniados e tem quadro de pessoal precário – 56 servidores. 

Assim, o instituto ficou quase uma década sem atualizar dados de contribuintes e manteve controle falho na fiscalização dos procedimentos cobrados por médicos e hospitais, o que propicia fraudes. O descalabro permitiu que, em 2015, o índice de sinistralidade chegasse a 106% (a cada R$ 100 arrecadados, gastaram-se R$ 106). Para manter-se viável, o índice não pode superar 85%.

Sem fluxo de caixa, o IPE não reajusta o valor pago a médicos e estabelecimentos há cinco anos. A defasagem gera debandada do sistema. Muitos dos médicos que seguem restringiram as consultas, alguns cobram por fora sem emitir recibo.

– Hoje, um médico do IPE paga para trabalhar. Então dá desconto, cobra R$ 100 pela consulta pois não se enxerga mais no instituto condições de mediar a relação médico-paciente – admite o presidente do Sindicato Médico do RS, Paulo de Argollo Mendes.

fabio.schaffner@zerohora.com.br


O IPE-SAÚDE EM NÚMEROS
Beneficiários
618.377
contribuintes
408.053
dependentes (não contribuem)
Resultado financeiro em 2015
Receita R$ 1,672 bilhão
Despesa R$ 1,779 bilhão
Déficit R$ 107,31 milhões
Valor gasto com
assistência médica em 2015
R$ 1,8 bilhão
Número de atendimentos em 2015
15,3 milhões
Previsão de gastos em 2016
R$ 2,035 bilhões
Saldo atual no Fundo de Assistência à Saúde
R$ 197 milhões
Saldo a receber do Tesouro do Estado em maio de 2016
R$ 200 milhões
Valor médio pago por consulta a especialista
R$ 47
Número de demandas judiciais
Em 2015, 598 processos
Quadro de pessoal
56 servidores

RAIO X DOS PROBLEMAS


-Insustentabilidade – O atraso nos repasses da cota patronal pelo governo do Estado e a permissão para que os servidores se desliguem do plano afetam a arrecadação do IPE-Saúde. Em contrapartida, o envelhecimento dos segurados demanda despesa cada vez maior. Os déficits no plano principal são sucessivos e crescentes. O que melhora o resultado fiscal são os planos complementares, como o PAC (para ex-dependentes) e o Pames (de internação privativa).

-Prejuízo – Dos 328 contratos com prefeituras e órgãos públicos em 2014, 94 são deficitários. No total, 141 apresentam índice de comprometimento de receita superior a 85%. Isso representou perdas de R$ 31 milhões, conforme relatório da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage). Apesar do resultado negativo, o IPE renovou 36 desses contratos. Atualmente, apenas sete continuariam sendo deficitários, sem alteração de alíquota nem atualização atuarial.

-Abandono – O IPE tem 619 imóveis, sendo 218 bens patrimoniais e outros 401 provenientes de mutuários inadimplentes. Somente os 218 imóveis próprios valem R$ 184,4 milhões – valor suficiente para cobrir o déficit no ano passado. Alguns estão localizados em zonas nobres da Capital, outros, em completo abandono, invadidos ou ocupados sem cobertura contratual.

-Negligência – Embora tenha saldo bilionário a receber, o IPE não cobra suas dívidas. De acordo com a Cage, somente os valores devidos ao Fundo de Assistência à Saúde em 31 de dezembro de 2014 somam R$ 4,7 bilhões. Desse total, R$ 3,8 bilhões são devidos pelo Tesouro do Estado. Em geral, o governo argumenta que nada deve ao IPE-Saúde, devido aos sucessivos aportes que faz para cobrir o déficit do IPE-Previdência, que, só no ano passado, teve rombo de R$ 8 bilhões.

-Descontrole – Sem servidores suficientes e com sistema de informatização precário, o IPE não consegue fiscalizar com eficácia os procedimentos cobrados. Inspeção do Tribunal de Contas do Estado mostra que há casos de pessoas consultando mesmo depois de mortas, 40 mil segurados com RG nulo, milhares de atendimentos sem senha, médico que realizou 193 consultas entre 20h e 6h e outro com 109 consultas em um mesmo dia.

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