25 de julho de 2016 | N° 18590
DAVID COIMBRA
Uma mulher entre dois amigos
Na semana passada, foi comemorado, palidamente, o Dia do Amigo. Não sou de efemérides, mas tenho simpatia por essa data.
A amizade é um sentimento menoscabado. O amor romântico é que rende filmes, poemas, livros e canções. Os caminhoneiros mais brutos, de camisa de física e palito no canto da boca, ouvem que o amor romântico é um tiro certo no seu coração e choram atrás do volante. Tudo ilusão. O amor romântico começa com um fogo que arde sem se ver e termina com delação premiada. Já a amizade, sim, essa pode se tornar incondicional, dependendo do caráter de cada um.
Nesse Dia do Amigo, 20 de julho, recebi um vídeo em que o velho BB King faz uma declaração de amor a Eric Clapton. Um troço tocante. Refestelado de cima de seus 81 anos de idade, em frente à multidão que o ouvia tocar, ele interrompeu o show, olhou para Clapton, que estava ao lado do palco, e avisou que iria dizer algumas palavras que talvez o constrangessem. Contou como se conheceram. E encerrou:
– Que eu viva para sempre, mas que você viva para sempre e um dia a mais, porque eu odiaria estar aqui quando você se fosse.
Não bastasse, pingou um P.S.:
– Que a última voz que eu ouça seja a sua, dizendo que foi meu amigo.
Esse depoimento diz muito acerca de ambos. BB King por ser capaz de sentir tal afeto, Clapton por ser capaz de despertar tal afeto.
Diz mais: diz que o homem, com o aumento de seus anos de vida e, talvez, de sua sabedoria, pode aprender o real valor da amizade. Porque, quatro décadas antes, Clapton cometeu o erro de arriscar uma amizade por um amor romântico.
Ele se apaixonou pela mulher de George Harrison, um de seus melhores amigos.
O vórtice desse remoinho amoroso era uma loirinha chamada Pattie. Hoje, observando suas fotos, ela não me passa a impressão de ser assim tão especial, mas Clapton disse que foi a mulher mais linda que já havia visto.
Não foi só por isso que a cobiçou, é claro. Nem por sua provável beleza interior. Foi porque ela era mulher de um beatle, um homem rico, famoso e poderoso. O próprio Clapton admite essa fraqueza numa biografia que lançou há alguns anos.
O fato é que Clapton começou não apenas a espadanar, mas também a se refocilar com a mulher do amigo. Até que o amigo descobriu.
Harrison, então, convidou Clapton para um encontro em sua mansão. Clapton foi. Chegando lá, Harrison apontou para duas guitarras e dois amplificadores que estavam apoiados na parede.
– Vamos tocar – propôs. Era uma espécie de duelo. Tocaram durante duas horas. Dois semideuses do rock se enfrentando. E Clapton venceu.
O escritor John Hurt testemunhou a cena e disse que foi assim que aconteceu. Em seu livro, Clapton tergiversa um pouco, diz que eles estavam apenas tocando, e não disputando mulher. De qualquer forma, Clapton acabou ficando com Pattie e um grande e justificado sentimento de culpa. Para aliviar a consciência, ele deu a Harrison uma guitarra de cor cereja, sua preferida, que ele chamava de Lucy.
Harrison adorou. Em pouco tempo, Lucy também se tornou sua guitarra principal.
Um dia, quando Harrison tocava nos Estados Unidos, Lucy foi roubada, vendida a uma loja de penhores e comprada por um músico mexicano. Harrison mobilizou metade da polícia americana, localizou-a e, para reavê-la, deu ao mexicano duas outras boas guitarras.
Harrison jamais se separou de Lucy. Clapton acabou se separando de Pattie. Quem saiu ganhando?
Foi assim, imagino, que Clapton aprendeu, como BB King demonstrou depois: a qualidade de um homem deve ser avaliada pelos amigos que tem. Não pela qualidade dos amigos; pela qualidade das amizades.
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