segunda-feira, 11 de julho de 2016


11 de julho de 2016 | N° 18578 
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

TEM A VER COM A RÚSSIA


Woody Allen tem uma piada assim: “Fiz um curso de leitura dinâmica e li Guerra e paz em 20 minutos. Tem a ver com a Rússia”. Tem a ver, só que com a Rússia dos aristocratas, dos príncipes, duques, condes e afins. O povo russo, sofrido e pobre, está em algum lugar, mas a gente não vê.

Guerra e paz tem centenas de páginas nas quais Tolstoi nos conta os sofrimentos de uma classe pouco acostumada a eles. Os duques, quem diria, amam. As condessas, ora vejam, traem. Os aristocratas vivem o poder e a decadência, que tentam resolver via casamento com herdeiros e herdeiras ricos. 

Trabalhar, bom, veja bem. Eu, ao menos, me perco naquelas centenas de nobres em busca de alguma coisa, no meio da estepe gelada, nos palácios de São Petersburgo e Moscou. Havia príncipes e páginas demais. Noves fora, sou mais Tchékhov e Dostoiévsky, operários das sutilezas da alma russa.

Ao fundo, temos Napoleão e seus sonhos imperiais, invadindo a Rússia, ou tentando, ao menos. Ao lado, temos a Rússia em sua tentativa impossível de ser moderna e arcaica ao mesmo tempo. Seus nobres se vestem como franceses, mas agem como cossacos. 

O resultado é um amplo painel de uma época, o início dos anos 1800, que para nós trouxe a Coroa portuguesa ao Brasil, e para eles a destruição da guerra, seguida da derrota de Napoleão, capaz de invadir a Rússia, mas não de vencê-la.

Guerra e paz, a série, é de 2016, e da BBC, garantia de produção impecável. O drama tende ao excesso, do tamanho da estepe russa, e sinto que a gente até simpatiza, mas não muito, com os problemas de quem tem tudo nesse mundo. Vendo Guerra e paz a gente se dá conta de como Downton Abbey acerta ao incluir o andar de baixo na história. O de cima, sozinho, é por demais perfeito para ter problemas, e na ausência de problemas, vem o sono. Veja, e veja.

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