terça-feira, 26 de julho de 2016


26 de julho de 2016 | N° 18591 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

DESENHADO E PINTADO


Ia escrever um texto inteiro me queixando do desleixo do Centro: fui levar amigos europeus a um passeio, para me gabar do Mercado, do Santander, do Margs, do Memorial, da Matriz, do São Pedro (e me gabei), mas não deu pra evitar o espetáculo da feiura que é o lixo das ruas, o malcuidado por tudo, que se reproduz e multiplica na ostensiva presença de miseráveis, de corpo e alma, assim como do triste papel das bancas dos ditos artesãos na Alfândega. Sério que aquilo ali faz algum sentido?

Mas não, nada disso: vou é elogiar duas ações culturais de alto calibre, relativas ao mesmo Centro. Uma é a exposição sensacional, inesperadamente brilhante, que o Margs traz agora: a Modernidade impressa. Reúne reproduções de ilustrações feitas no coração da antiga editora Globo, nos anos 1930 e 1940, num espetáculo de beleza que deixa a gente feliz – pelo que se vê e pelo que não se vê, mas se adivinha: Porto Alegre foi capaz de abrigar esta experiência, ali mesmo, a dois passos da nossa casa.

Além disso, a mostra também oferece pinturas, capítulo em que eu sinceramente fiquei sem palavras, ao me deparar com uma parede inteira da exposição, dedicada a autorretratos de João Fahrion. Meu caro leitor, um negócio: um artista se pensando em público, se dando a ver de modo expressivo, um tanto angustiado, talvez confrontando o olhar do espectador. Ele e outros nomes ficaram boiando na minha mente: Ernst Zeuner, Edgar Köetz, Nelson Boeira Fäedrich, Sotero Cosme, Francis Pelicheck.

E tudo isso está acessível por causa de uma pessoa, basicamente: Paula Ramos. Professora do Instituto de Artes da UFRGS, ela dedicou sua carreira de pesquisa ao universo da antiga seção de desenho da Globo, matriz disso tudo. Além da exposição, a Paula lançou um livro (editora da UFRGS), com o mesmo título, contendo sua reflexão e uma fartíssima documentação visual, desde já indispensável para entender o que já foi a vida cultural e mental da cidade. Já foi, ainda é e pode ainda ser mais, como o trabalho da Paula mostra.

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