Entrelacos

04 de julho de 2016 | N° 18572
CÍNTIA MOSCOVICH

A GANGUE DO CANAPÉ

Em 2007, a novidade era que a Petrobras Cultural, com a curadoria de Arthur Nestrovski, daria bolsas de incentivo à criação literária.

As instruções do edital eram infinitas e já anunciavam que a prestação de contas seria um ritual cheio de formulários: a Petrobras lançaria mão da famosa Lei Rouanet para pagar os agraciados. Me inscrevi e fui uma das contempladas.

O primeiro passo, depois de enviar todas as certidões do universo, era a abertura de uma conta no Banco do Brasil. A conta só podia ser liberada pelo Ministério da Cultura (MinC) e só do MinC podia receber recursos. A cada despesa, devia-se emitir um cheque nominal, com valor igual ao previsto no projeto. Todos os cheques deviam ser fotocopiados e ter o correspondente débito no extrato do banco. Nem pensar em saques em dinheiro.

A cada prestação de contas, era uma angústia para preencher formulários e planilhas, atualizar cronogramas e comprovar que o projeto andava, e bem. Quando finalmente o livro saiu, me lembro da felicidade e alívio ao ser informada pela Petrobras que todas as minhas prestações de conta tinham sido corretas e que eu nada mais devia.

Por isso, quando leio que a operação Boca-Livre foi deflagrada para apurar fraudes em contratos e desvios de R$ 180 milhões do MinC por meio da Lei Rouanet, me custa a crer. Me custa a crer que até casamento brega de tão chique foi financiado com falcatrua, quando até para comprar um grampeador com o benefício da lei a gente tinha que fazer uma operação de guerra.

Não sei quem são os donos da tal produtora Bellini Cultural, acusados de, por 20 anos, adulterar documentos – bando já chamado de Gangue do Canapé. Não sei como movimentaram tanto dinheiro sem que o MinC acusasse a falta e sem que a Receita, que controla cada centavo movimentado no país, não tenha percebido. Não é possível tanta leniência e tanto descaramento. E ainda me contam que, no tal casamento, se apresentou uma dupla sertaneja. Com todo o respeito aos músicos, mas até chinelagem deve ter limite.