segunda-feira, 18 de julho de 2016



18 de julho de 2016 | N° 18584 
DAVID COIMBRA

Como funciona o churrasco americano

Jim é o meu vizinho que faz churrasco todos os dias durante o verão. Ele mora no térreo e seu apartamento tem uma varanda que dá para a rua. É ali que prepara os churrascos, em uma churrasqueirinha metálica do tamanho de uma pasta 007.

Cruzo pela frente da varanda e o cumprimento. Em geral, algumas animadas senhoras americanas de cabelos amarelos e olhos azuis fazem companhia ao Jim, mas não é impossível que ele passe a tarde sozinho, assando dois ou três bons bifes do Texas e lendo jornal, refestelado em uma cadeira de recosto inclinado.

Vê-se que Jim é um homem feliz com a vida que leva. Ele é aposentado, não tem mulher ou filhos, mas está sempre rodeado de amigos.

Gosto de ver Jim churrasqueando em sua varanda. Um homem satisfeito com a própria existência é um espetáculo reconfortante.

Dia desses, passei por ali e acenei: – What’s up, Jim?

E ele me chamou. Fui. Aí, surpresa:

– O que vocês acham de vir aqui comer um churrasco, esta semana? Os dias serão lindos...

Por “vocês”, referia-se ao degas aqui, ao Bernardo e à Marcinha. Aceitei de pronto. Tinha grande curiosidade para ver como funcionava um típico churrasco americano.

Os americanos adoram churrasco, mas o churrasco deles não tem nada a ver com o nosso. Em primeiro lugar, por causa da obsessão nacional pela maciez da carne. As carnes aqui são realmente tenras, mas não possuem o mesmo sabor das nossas. Porque no Brasil a criação é extensiva, o bicho vive solto. Os bois se alimentam de pasto natural e, livres por aí, certamente são mais felizes.

A felicidade pode endurecer um pouco a carne, mas a torna mais saborosa. O que é inspirador: criaturas felizes são mais gostosas.

Pense nisso, da próxima vez que trinchar uma costela. Pense que aquele boi correu pelos campos, comeu da boa grama, bebeu da água fresca, mugiu de contentamento ou mesmo de tristeza, relacionou-se, enfim, com seus semelhantes, e talvez até tenha amado uma formosa vaca.

Bois americanos, não. Bois americanos são tristes bois, que passam a vida confinados, a mastigar ração e a suspirar.

Aliás, acerca de costelas. Reconheço que certos assadores são dotados de ciência para transformá-las em peças de banquete, mas isso não é para todos. Quase sempre, a costela fica desagradavelmente elástica, cansativa para queixos sensíveis. Então, não me venha com essa história de que gaúcho que é gaúcho prefere costela. Não. Sou gaúcho e prefiro picanha. Faço concessões ao contrafilé, hoje em dia rebatizado como entrecot. Muito mais bonito entrecot, por sinal. Contrafilé parece algo negativo.

Inclusive, um dos meus restaurantes internacionais favoritos é o Relais de l’Entrecôte. Perguntei ao meu amigo Dinho, o Fernando Eichenberg, se o “relais”, no caso, corresponderia a “rodízio” ou “revezamento”. Garantiu-me que não. Relais é o repouso, o refúgio, o tugúrio do entrecot. Bonito. O Relais um restaurante de Paris, fica no Saint-Germain. Abriram uma filial em Nova York. Vou sempre. Levei o Jones Lopes da Silva lá, e ele comeu como se fosse um bispo. O Relais de l’Entrecôte serve um único prato: saladinha verde, tiras de entrecot (claro) e batata frita, além de um delicado molho feito com o sumo da carne. É uma delícia.

O entrecot, portanto, pode ser nobre, pode fazer a felicidade de uma noite. A costela, raramente. Mas ainda não contei sobre o churrasco do americano. Amanhã conto.

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