sábado, 23 de julho de 2016



23 de julho de 2016 | N° 18589 
L.F. VERISSIMO

Um bar no Leblon


Com tanta gente com medo de vir para o Rio, onde tem zika, assaltos e corruptos saindo, apropriadamente, pelo ladrão, é bom lembrar os visitantes ilustres que já estiveram por aqui e saíram ilesos. E imaginar que tivessem ficado, seduzidos pelo nosso sortilégio tropical, pela caipirinha ou por qualquer outra razão.

Imagine se os ficados se reunissem regularmente num bar do Leblon, desprezando suas diferenças de idade e das épocas em que estiveram no Brasil. Aquele ali com as longas barbas brancas, por exemplo, é o decano do grupo. Seu nome é Charles Darwin e ele chegou ao Rio de Janeiro num navio chamado Beagle. 

Apaixonou-se pelas praias, pelas florestas e pelas mulatas, abandonou sua expedição científica e ficou. Quando querem provocá-lo, os outros integrantes da roda pedem “Conta aquela da evolução”. É uma teoria meio maluca do velho sobre a seleção natural na evolução das espécies. Se tivesse voltado para a Inglaterra e publicado sua teoria, ela teria causado uma revolução no pensamento humano. Mas sair do Rio de Janeiro, nem pensar.

Essa que está chegando, caminhando com dificuldade, é Sarah Bernhardt. Era uma atriz famosa quando veio se apresentar no Brasil. Aqui, teve um acidente no palco, machucou a perna, a perna foi mal tratada no hospital e o resultado é que anda com uma perna mecânica. Ficou no Rio e acabou como assistente de figurinista da Globo, onde todos a chamam de “Madame Sarrá”.

Essa figura que acaba de sentar-se entre Darwin e Sarah é interessantíssima. Romeno ou coisa parecida. Seu nome é Saul Steinberg. Desembarcou no Recife, foi para o Rio e, apesar de ter, como lhe diziam, “um traço meio esquisito”, conseguiu emprego numa agência de publicidade e vendeu uns cartuns para a Cruzeiro. Quando a revista fechou, o Millôr ainda tentou ajudá-lo, mas Steinberg preferiu deixar, brasileiramente, para lá e arranjar um cargo público. O negócio dele é um chopinho e um bom papo.

E há também os “professores”, Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss. Os dois estão sempre de bermudas e sandálias. Braudel lecionou por um tempo na USP e escreveu alguns livros mal recebidos pela crítica acadêmica brasileira. Desanimou e foi para o Rio, onde leva uma vida tranquila, joga seu voleizinho de praia e não perde reunião do grupo. 

Lévi-Strauss veio ao Brasil fazer um curso de antropologia, casou-se com uma índia (“Que tetons”, diz ele até hoje, com saudade) e, depois de viúvo, instalou-se num pequeno apartamento em Copacabana, onde se dedica a sua paixão secreta, ver novelas na TV. Sempre é o último a chegar, sob vaias dos outros, depois de ver as novelas das seis, das nove e das onze.

E quem é esse que chega, irritado como sempre? É Orson Welles! Sim, o diretor de Cidadão Kane. Ele nunca mais saiu do Rio, depois que veio ao Brasil fazer um filme que nunca completou, na década de 1940. E nunca mais fez um filme, apesar de estar em luta constante para conseguir financiamento. Ocupa-se em anarquizar os filmes dos outros. Mas hoje parece estar de bom humor. Senta e faz um sinal para o garçom:

– Ó, gente boa, um chope e aquela linguicinha!

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