21 de julho de 2016 | N° 18587
DAVID COIMBRA
Para quem não entende nada de água
O diretor do Dmae decidiu que iria demonstrar em definitivo que a água de Porto Alegre é potável. Vi isso em um vídeo da Zero Hora, e foi algo que me deixou um pouco nervoso.
É que, no primário, aprendi que a água, por definição, é insípida, incolor e inodora. São essas fórmulas didáticas que ficam na cabeça da gente para sempre. O que é verbo? Verbo é ação. O que é uma ilha? Ilha é uma porção de terra cercada de água por todos os lados. Muito engenhoso, mnemonicamente falando.
No caso de Porto Alegre, porém, as professoras devem estar enfrentando dificuldades, porque a água que jorra do que a minha avó chamava de “pena” tem gosto, cor e cheiro.
Mesmo assim, os técnicos do Dmae garantem que a água é de beber, camará, e, como já disse, o diretor resolveu provar o que eles afirmavam. Provar literalmente: ele foi até uma pia cheia de louça por lavar, abriu a torneira e encheu um copo com água do Guaíba.
Foi nesse momento que fiquei apreensivo. Lembrei do Coringa, que tentou contaminar a água de Gotham despejando nos reservatórios uma substância que faria todos os habitantes da cidade rirem até morrer, e do Homem-Lagarto, inimigo do Homem-Aranha, que contaminou os reservatórios de Nova York com um preparado que transformava as pessoas em lagartos enormes.
O diretor, no entanto, não parecia sentir medo: bebeu a água em goles cordatos, cheirou o copo como se fosse uma taça de vinho e depois sentenciou:
– Está quase normal. Quase? Isso não me deixou totalmente feliz. Bem.
Ontem, outro diretor deu seu parecer sobre a água. Ele disse o seguinte:
“O Dmae tem técnicos capacitados para identificar que tipo de odor está presente naquela água. Com base nessas informações, o padrão sensorial já apresenta uma melhora. O indivíduo pode objetar, e respeitamos a posição, mas ela é leiga”.
Uma declaração bonita, cheia de contornos verbais, espécie de rota romântica para chegar aos seguintes pontos:
1. Na primeira frase, ele diz que o técnico do Dmae sabe o que tem na água só pelo cheiro.
2. Na segunda, que o cheiro está melhor.
3. Na terceira, que eu, você e todos os outros bebedores de água que não são técnicos do Dmae podemos sentir cheiro ruim na água, mas é um erro dos nossos narizes, o cheiro está bom, porque quem entende de cheiro de água é o técnico do Dmae.
Certo. Eu, aqui, sou um homem de sólida fé na Ciência. Acredito, pois, no olfato treinado do técnico do Dmae. Admiro, também, a valentia daquele diretor que ingeriu um copo inteiro da água estranha e lambeu os beiços, jurando que estava bom. E reconheço, por fim, que sou leigo em questões aquáticas e muitas, muitas outras mais. Ainda assim, desculpem-me, diretores, mas não vou me arriscar. Haverá de ser como no primário: insípida, incolor e inodora. Ou dessa água não beberei.
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