22 de julho de 2016 | N° 18588
CLÁUDIA LAITANO
Os invisíveis
Muita gente sabe que eles existem, mas poucos conhecem seus nomes. Aparecem, se tanto, como mera nota de rodapé nos livros de História – mesmo quando, anonimamente, arrebataram multidões. O redator de discursos é um ventríloquo sem ribalta, um Cyrano de Bergerac que não mostra o nariz.
Em um ofício – a escrita – em que a vaidade desempenha um papel não desprezível, o autor de discursos deve aprender a ser discreto e a contentar-se com recompensas mais sonantes e menos voláteis do que o reconhecimento público. Para ser bem-sucedido na função, é preciso que esse tipo de autor não apenas abra mão da fama e dos louros da assinatura, mas que seja capaz de dissolver a própria personalidade em outra, de maneira que o texto expresse não o que ele pensa ou sente, mas aquilo que soará genuíno, em forma e conteúdo, na voz de quem o contratou.
É claro que muitos políticos falam de improviso e colorem suas ideias (ou fiapos de ideias) à medida que elas brotam, mas o que ganham em espontaneidade em geral perdem em conteúdo – e compostura. O bom redator de discursos é aquele que poupa o mundo, se não dos candidatos ruins, pelo menos das metáforas vergonhosas.
O mais famoso discurso do Brasil, a carta-testamento de Getúlio Vargas, é atribuído, pelo menos em parte, ao jornalista José Soares Maciel Filho, que teria elaborado o texto final da carta oficial a partir de um manuscrito do presidente. Ao reescrever o documento, aperfeiçoando seu estilo, o jornalista não teria percebido que havia ali indícios de que Vargas planejava se matar – ou pelo menos essa é uma das versões possíveis da história. O episódio é narrado no filme Getúlio (2014), de João Jardim, que garantiu ao redator de discurso alguns raros minutos de fama.
Na semana que passou, duas autoras de discursos alheios ganharam as manchetes dos jornais: Sarah Hurwitz, que escreveu o discurso da futura primeira-dama, Michelle, em 2008, e Meredith McIver, que copiou trechos inteiros desse mesmo discurso para a fala de Melania na convenção que consagrou seu marido, Donald Trump, como o candidato oficial do Partido Republicano na última terça-feira. Antes de McIver reconhecer, compungida, o plágio involuntário, membros do Partido Republicano trataram de desqualificar a polêmica dizendo, em outras palavras, que as banalidades do discurso poderiam ter sido ditas pelos personagens de My Little Pony – o que é verdade.
Não há nada de excepcional na fala macaqueada pela mulher de Donald Trump – o que apenas confirma o enorme carisma de Michelle Obama e sua capacidade de imprimir veracidade a tudo o que diz. O que surpreende é que alguém que admira tanto uma mulher forte e independente como Michelle, a ponto de tê-la citado como referência para a autora do seu discurso, tenha casado e tido um filho com um homem que se orgulha de nunca ter trocado uma fralda.
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