sábado, 23 de julho de 2016



23 de julho de 2016 | N° 18589 
DAVID COIMBRA

O que move o idiota

O pai do rapaz que foi preso por associação com o Estado Islâmico disse que o filho é um idiota – li na matéria do Carlos Rollsing, em Zero Hora.

Os dois, pai e filho, criavam galinhas em Morro Redondo, no interior profundo do Rio Grande do Sul. Levavam uma vida tranquila, até porque não deviam ter outra opção. Dormiam cedo, acordavam cedo. O pai só estranhava que o filho não saía do zap zap, que é como ele chama aquele aplicativo de mensagens que a Justiça brasileira adora bloquear. Na verdade, nem era o zap zap. O idiota se comunicava com seus amigos idiotas por outros meios.

Ao falar do caso, o pai volta e meia embargava a voz, contou o repórter. Fiquei com pena. Como consolo, diria a ele que jovens, em geral, são idiotas. Muitos, inclusive, deixam de ser jovens, mas não deixam de ser idiotas.

O caso desse rapaz é interessante, porque é ilustrativo. Sua família não veio do Oriente Médio, ele não viajou à Síria, nem muçulmano é. Provavelmente, seu conhecimento do que se passa naquele gomo do mundo tem a profundidade de uma letra de axé music.

Por que, então, ele se alinhou ao Estado Islâmico? O pai respondeu: porque é idiota.

Mas o idiota sempre tem uma motivação. Ele precisa de algo que justifique o exercício da sua idiotice. É isso que os seres humanos, idiotas ou não, fazem o tempo todo: procuram um sentido para suas existências. A vida humana necessita de sustentação teórica tanto quanto de água. É o que nos diferencia dos bichos. O bicho vive. Ponto. O homem tem de saber por que vive (ou achar que sabe).

A razão da existência pode ser qualquer uma, embora as mais populares sejam ideologia e religião.

Para o idiota, não faz diferença. Ele pode ser muitas coisas. Pode ser um fanático político, que acredita que quem não concorda com ele é canalha. Ou um religioso fundamentalista, que mata em nome de Deus. E aí não me refiro apenas aos muçulmanos. Não. No começo dos anos 300, o imperador Constantino jurou que, na véspera de uma batalha importante, sonhou com uma cruz luminosa acompanhada de uma voz que lhe aconselhava: “Com este sinal, vencerás!”.

Constantino mandou desenhar cruzes nos pavilhões de seu exército, e venceu. O imperador disse a seus soldados que Jesus, o profeta do amor, os ajudou a decepar, mutilar e matar os próximos que militavam no outro exército.

Constantino, no entanto, não era um idiota: era um espertalhão. Idiotas foram os soldados que acreditaram nele. A cruz deu sentido a muitas idiotices humanas, como agora o dá o crescente.

No momento em que alguém tenta explicar um ato terrorista por alguma motivação que não seja a idiotia humana, esse alguém está se aproximando do idiota e da sua idiotia. Dizer, por exemplo, que a Europa sofre atentados devido à colonização do passado é o mesmo que dizer que a minissaia motivou o estupro. A Europa é vítima do terror, e a vítima, nós sabemos, nunca é a culpada.

O que estou dizendo é que a religião, a ideologia ou o futebol não são causas da idiotice. São meios. O que os idiotas querem não é salvar as almas, os pobres ou a zaga do seu time. Eles querem o mesmo que queria o idiota de Morro Redondo: respeito.

O idiota quer ser respeitado. Ao dar um sentido à sua vida, ele pretende se tornar, de alguma forma, admirável. Ele anseia ser admirado pelas outras pessoas.

E isso, surpreendentemente, é uma boa notícia sobre o ser humano. Porque para nós, homens e mulheres que vivemos debaixo do sol, o que importa, mais do que tudo, mais do que as nossas vidas, mais do que as vidas de outras pessoas, são as outras pessoas. Parece uma contradição. Não é. Até as pessoas que matam outras pessoas importam-se, apenas, com as outras pessoas.

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