quarta-feira, 13 de julho de 2016



13 de julho de 2016 | N° 18580 
DAVID COIMBRA

O fim do mundo

Havia, no século 20, um temor de que o mundo acabaria no ano 2000. Hoje sabemos que o temor era justificado. O mundo acabou no ano 2000.

Não foi exatamente à meia-noite de 31 de dezembro de 1999 que soou a sexta trombeta libertando os quatro anjos que estão acorrentados à beira do grande Rio Eufrates. Não, não foi tão brusco. Mas foi rápido. Antes que ouvíssemos seu último estertor, aquele mundo deixou de existir.

Outros mundos acabaram antes desse – o mundo vive acabando. Mas esse extinguiu-se com velocidade inédita na História. Foram dois, e não quatro, os Cavaleiros do Apocalipse: o telefone celular e a internet.

O celular e a internet foram, ao mesmo tempo, ótimos e péssimos. Foram ótimos porque deram voz ao homem comum. Foram péssimos porque deram voz ao homem comum. Antes, só alguns poucos, como os jornalistas, podiam ser idiotas. Agora, todos são idiotas. As pessoas têm muitas chances de dar suas opiniões sobre todos os assuntos, e, quando você dá uma opinião, você se compromete com ela.

É uma cilada: no instante em que uma opinião lhe sai da goela, raspando os dentes, ela não se evade de você; ela gruda em você, mimetiza-se com você, você se torna parte dela. Em muitos casos, o homem fica a serviço da opinião e não a opinião a serviço do homem.

Então, se a opinião não é muito boa, você só piora quando a emite. E, convenhamos, as opiniões, em geral, são ruins. Sei disso por causa das minhas.

Então, cá está esse novo homem do século 21, servo das suas próprias opiniões. Se alguém dá uma opinião diferente das suas, ele se enfurece. Natural: se as opiniões dele são ele, opiniões diversas às dele são contra ele.

E o melhor: esse homem tão cioso das suas opiniões conta agora com armas para defendê-las, as mesmas que as divulgam: a internet e o celular. É uma delícia. E é tão fácil. Porque, você sabe, a palavra escrita é documento, a palavra escrita é oficial. Assim, o boato, a fofoca e a maledicência se disfarçam de informação. E o ardil é tratá-los como se informação fossem. A forma, inclusive, é a da notícia. O fuxiqueiro da internet copia as manchetes de jornal:

“Desembargador é flagrado assediando menina de 17 anos”.

“Delegado de polícia cruza o sinal fechado”.

“Famoso médico é visto embriagado em bar da Zona Sul”.

O desembargador, o delegado e o famoso médico poderiam ter feito tudo isso sem maldade alguma, dependendo das circunstâncias. Ou poderiam nem ter feito. Não tem importância. O que importa é a “manchete” que ficará para a posteridade.

As pessoas estão mais vigilantes e, por decorrência, estão mais vigiadas. Há um novo moralismo, tudo pode ter consequência, o planeta se transformou naquelas pequenas vilas do passado, onde todos sabiam da vida de todos. Era vasto, o mundo. Era. Não existe mais. Terminou.

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