04 de julho de 2016 | N° 18572
L.F. VERISSIMO
Ter ou não ter
Vida, tome nota, é o nome que se dá à passagem de ainda não ter idade para não ter mais idade. Às vezes me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas opções diminuíram. Não tenho mais idade para ser nada. Só me animo quando escolhem um novo papa e todos na lista de prováveis candidatos estão perto dos 80. Ser papa é uma das poucas coisas a que ainda posso aspirar. Mas não sou nem cardeal.
Aliás, nem religioso. Minha única credencial para o cargo é a idade. Devo ter deixado minha fé no bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão. Invejo quem tem fé, mas minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano (devoção por pastéis de carne e boas livrarias e a crença de que há, sim, um deus: o oboé, que além de ser um instrumento maravilhoso é o que afina todos os outros).
E penso com saudade nos bons tempos em que, em vez de não ter mais idade, ainda não a tínhamos. E sonhávamos com tudo o que viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido até 14 anos. Beber e fumar. (O importante não era a bebida e o cigarro, era a pose que os adultos faziam bebendo e fumando.
Eu não via a hora de ficar adulto para poder bater com a ponta do cigarro na minha cigarreira prateada. Ficar adulto era adquirir a pose.) Ainda não ter idade significava não beijar como beijavam nos filmes proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém sabia o que acontecia. Já ter idade significava poder ficar acordado até mais tarde, ganhar a chave da casa, eventualmente até deixar crescer um bigodinho.
Ainda não ter idade era como ficar pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada. Não ter mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por tudo o que não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais não seria apropriado para a nossa idade. Vida é essa lenta transformação de uma frase, de ainda não ter idade a não ter mais idade. Ou de poder ser, teoricamente, tudo que se sonhasse no futuro, ou só poder ser, teoricamente, papa. E por pouco tempo.
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