03
de março de 2014 | N° 17721
LETÍCIA
WIERZCHOWSKI
Uma Porto Alegre que cantava pelas
ruas
As
coisas estão sempre em transformação, e o modo como olhamos o mundo também é cambiante
– pontos de vista, estados emocionais, a passagem do tempo, tudo influi no
nosso olhar e até mesmo na nossa memória. Ao longo dos anos, modificamos nossas
próprias recordações, romancistas de nós mesmos que somos. Fiquei pensando
muito nisso, depois que recebi a tristíssima notícia sobre o querido Nico
Nicolaiewsky.
Recebi
a notícia aqui no Rio de Janeiro, no último dia da minha primeira semana de
casa nova, de endereço novo, de cidade nova. E chorei. Abateu-se sobre mim uma
tristeza que ia além da memória – eu conhecia o Nico, mas não éramos íntimos,
eu era (mais do que tudo) sua fã; era também uma porto-alegrense chorando por
um símbolo da sua terra natal – pois nós de Porto Alegre temos de agradecer ao
Nico e ao Hique Gomez o maravilhoso presente que nos deram: com o Tangos &
Tragédias, Porto Alegre exportava a sua alegria, o melhor da sua alegria, do
seu humor e da sua vivacidade.
O
Tangos &Tragédias encantou muitos teatros por aí e é um patrimônio da
cultura brasileira; mas foi no São Pedro que marcou época, calcando nas paredes
centenárias as risadas de várias gerações de fãs, levando as gentes pelas calçadas
da cidade feito aquela história de Hamelin. Pois é, Nico e Hique nos levaram a
todos nós, velhos e moços, por incontáveis vezes, em incontáveis verões.
Eu
disse adeus ao Nico aqui na janela, olhando a Gávea do alto, mas com Porto
Alegre pulsando em mim como um outro coração. Eu abri meu baú de boas memórias
e lembrei do meu filho João que, durante um tempo, ainda pequeno, dançou o Copérnico
na sala da nossa casa, e lembrei dos primeiros anos do Tobias, cuja música
preferida – e o primeiro refrão que aprendeu a cantarolar quando ainda mal
sabia dizer o próprio nome – era Ana Cristina.
E a
Porto Alegre que eu trouxe dentro de mim aqui para o Rio, a Porto Alegre no
cerne dos meus afetos, ficou um tiquinho mais triste, perdeu uma nuança de cor.
Transformou-se como tudo sempre se transforma, até que o tempo reescreva nossas
memórias uma outra vez.
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