31
de março de 2014 | N° 17749
LETÍCIA
WIERZCHOWSKI
Pensamento
engarrafado
Eu
morei há 12 anos no Rio de Janeiro e lembro que circular pela cidade era fácil
naquele tempo. Claro, havia alguns lugares-problema, os entroncamentos
complicados, as avenidas vitais, os horários de pico – determinadas ruas e
horários que uma pessoa de bom senso, podendo, deveria evitar.
Hoje,
o Rio de Janeiro é uma cidade que não anda, é o grande paradoxo da vida
moderna. A cidade dividiu-se em duas, e o caminho que liga essas duas partes –
o elevado do Joá e o túnel Zuzu Angel – é um sofrimento que redime qualquer
pecador.
O
trânsito de Porto Alegre não é moleza, você pode mofar dentro do carro um bom
tempo, ainda mais com as obras que paralisam a cidade, mas nada se compara ao
Rio de Janeiro hoje. E existe cidade mais exuberante neste mundo? O Rio de
Janeiro é como uma belíssima mulher com mau hálito – linda, tão linda, todos
comentam a sua estonteante beleza, mas beijar a digníssima na boca todos os
dias é que são elas.
Dias
desses, um amigo publicou uma foto ótima no Instagram: no meio do trânsito
absolutamente congestionado em São Conrado, na boca do túnel, estava o carrão
do Roberto Carlos (era um desses conversíveis, um Mercedes creio eu, branco e
estalando de novo, e ali, escarrapachado no banco de couro alvíssimo, o Rei
aguardava, como qualquer mortal, que o trânsito finalmente fluísse e ele
pudesse chegar na sua casa na Urca). Meu amigo (que, aliás, é gaúcho) deve ter
se divertido bastante, e pelo menos arranjou ocupação enquanto esperava a sua
vez de cruzar o Zuzu Angel.
Cada
um se vira como pode, mas a Lucélia Santos, flagrada num ônibus na zona sul
carioca, foi motivo de deboche nas redes sociais. E lá vem o paradoxo outra
vez: desde quando usar transporte coletivo é um mico? O que está acontecendo
conosco, o que pensamos de útil enquanto parados no congestionamento horas e
horas do nosso dia?
Alguma
coisa tem que mudar, e urgentemente. Esperar que a mudança venha do poder
público, nem o mais tolo dos brasileiros espera. O carro, hoje em dia, tem que
ser eletivo. Se todos quiserem fazer tudo de carro, ninguém fará mais nada.
Afinal, gastar horas por dia parado no trânsito não inspira ninguém, nem mesmo
o Roberto Carlos, basta ver a sua recente produção musical.
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