23
de março de 2014 | N° 17741
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Deixa comigo
Sofro
de cacoete de vereador. Prometo antes de cumprir, me comprometo antes de pesar
as consequências.
Minha
generosidade é de véspera. É como assinar antes de escrever a carta. É como
preencher um cheque e não abrir a conta.
Sempre
posso tudo. Antes de fazer, já estou falando, já estou comemorando, já estou
acertando detalhes.
Atropelo
ao tirar a palavra da boca. Não verifico a disponibilidade, não sondo as chances,
subestimo esforços anteriores, já confesso que será barbada, que convivo com
gente capaz de facilitar o trâmite e que basta um telefonema.
É um
exagero só, passo a impressão de que experimento o centro do poder de qualquer
assunto. Para impressionar os envolvidos, transformo meros conhecidos em
grandes amigos, converto pessoas importantes - que jamais encontrei – em
confidentes.
Improviso
um gabinete na varanda. Armo uma tenda de milagres na cozinha.
Em
vez de ficar quieto e resolver, em vez de solucionar secretamente e anunciar o
feito apenas quando realmente é certo, assumo a pendência na primeira conversa.
Não declaro meus limites, muito menos respeito às peculiaridades de cada
situação.
A
honestidade depende do senso de realidade. E fantasio de modo inconsequente.
Há
uma falsa onipotência me reinando, um Napoleão adormecido em minha mente, um
Kublai Khan sedado em meu sangue.
Sim,
gostaria de ajudar, mas a vontade maior é de se sentir importante ajudando.
Como se precisasse eternamente do voto dos meus amigos.
Prometi
um emprego ao Diego, prometi encontrar uma editora para Beto e Éverton, prometi
um marchand para Tiago, prometi apressar uma cirurgia para Geverson... Todos
estão esperando religiosamente. Já foram meses, e não obtive nenhum resultado.
Não vingou minha influência, não rendeu minha lábia, não alcancei nenhum
privilégio. Tentei, e tampouco fui ouvido, igual a eles.
E
agora, o que respondo?
Serei
obrigado a dizer um “não” constrangido quando poderia ter dito um “não” altivo.
Eu
me decepciono frustrando os outros. Criei expectativas à toa. Mexi com destinos
e alegria familiares impunemente. Não respeitei ciclos da vida e a ordem
natural da burocracia, procurei demonstrar facilidades irreais.
Meu
comportamento não decorre da falta de popularidade, é megalomania mesmo. Sou um
hospital de caridade sem leitos, sou uma creche infantil sem brinquedos.
Deveria
ser cassado, isso que nem tenho cargo eletivo.
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