segunda-feira, 17 de março de 2014


17 de março de 2014 | N° 17735
PAULO SANT’ANA | PAULO SANTANA

A liberdade de crença

Interessante essa notícia de que o vereador Alex Dotti (PMDB), de Antônio Prado, exigiu a demissão da funcionária Renata Ghiggi pelo simples fato de que ela não acredita em Deus.

O vereador em questão deveria saber que, quando a moça ateia foi admitida no serviço público, no imenso questionário que lhe puseram na frente não havia nem a pergunta sobre se ela acreditava em Deus, nem a exigência de que ela fosse crente.

Crer ou não crer em Deus é questão muito pessoal, que não pertence a outras pessoas. O Guerra Junqueiro, grande poeta português, dizia no cerne de um poema seu: “Existe um ímã – Deus – /oculto no infinito/ tem dois polos a alma/ a crença e a razão/ onde a razão acaba a crença principia”.

O vereador não explicou bem a razão por que pediu a demissão da moça que não acredita em Deus. Disse apenas que Antônio Prado é um município em que 98% das pessoas acreditam em Deus, não “pegando bem” que haja por lá quem não acredite no ser supremo.

O vereador deve pregar que os 2% dos que não acreditam em Deus na cidade sejam expulsos de lá.

Isso é de uma violência inaudita, até porque interfere na liberdade de opção filosófica e religiosa que é inerente nas sociedades democráticas.

Ainda bem que o vereador não foi atendido na sua pretensão de degola.

No rastro do episódio, surgiu a notícia de que a assessora que não acredita em Deus é a mesma que no ano passado retirou da sala de sessões da Câmara Municipal o crucifixo que era afixado lá – e ainda é.

A Mesa da Câmara não deve ter concordado com a atitude da ateia, o crucifixo permanece no mesmo lugar da parede.

Nesse caso, foi prepotente a assessora que não acredita em Deus. O crucifixo certamente estava na parede por decisão dos vereadores ou da presidência da Câmara. Ela não tinha nada que meter o seu bedelho numa questão que não lhe competia.

Mas daí a demiti-la por não ser crente, vai uma grande distância: não se pode punir uma tropelia com outra tropelia maior ainda.

Tanto quando o vereador que quis demitir Renata quanto quando ela mandou retirar o crucifixo da parede da sala de sessões, houve sérias tentativas de prepotência.

Ainda bem que a Mesa da Câmara impediu as duas tropelias.

Renata quis impedir a liberdade da maioria cristã quando quis retirar o crucifixo. O vereador Dotti quis impedir a liberdade da assessora de não acreditar em Deus.

Nos dois episódios, verificaram-se tentativas visíveis de cercear a liberdade individual das pessoas.


Ainda bem que se deram mal ambas.

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