sexta-feira, 28 de março de 2014


28 de março de 2014 | N° 17746
DAVID COIMBRA

O jornalismo engajado

Eu acredito no jornalismo. Falo do jornalismo ortodoxo, clássico, o jornalismo dos repórteres que salvam o Brasil na mesa do bar, o que tem por maior objetivo a busca da isenção e daquela entidade vaga e impalpável, a Verdade com vê maiúsculo.

Alguém dirá que cada um tem a sua verdade, que não existe uma única verdade.

Certíssimo. O mesmo fato é visto de formas diferentes por pessoas diferentes. É por isso que não existe imparcialidade. O jornalista é parcial porque ele enxerga o fato do seu ponto de vista, da sua parte. Mas ele pode, e deve, sim, tentar relatar o fato com isenção. Mesmo a opinião deve ser isenta, embora jamais seja, nem deva ser, imparcial. Quer dizer: você dá a sua opinião com honestidade intelectual. Não há segundas intenções no que você diz achar. Você acha mesmo, é o seu pensamento, fruto de reflexão, não de pré-conceitos ou de, o horror!, interesses escusos.

Por isso, não acredito no jornalismo engajado, defendido por pensadores respeitáveis, como o Verissimo. Nem no jornalismo engajado da revista Veja, nem no da Mídia Ninja. Não acredito no jornalismo engajado com boas nem com más intenções. O jornalismo engajado até pode ser sincero, mas não é honesto, porque não tem mais nenhuma ambição de isenção.

Alguém, aquela mesma pessoa que disse que cada um tem sua verdade, alguém dirá que num veículo que se anuncia isento o patrão tem sua posição, e que o patrão é mais forte do que o repórter.

Certíssimo de novo. Mas, se o patrão preza o seu negócio, se ele quer ganhar dinheiro com jornalismo, ele terá de preservar sua principal mercadoria, que é a credibilidade. Então, ainda que ele odeie e discorde do que um reporterzinho mixuruca escreveu ou falou, ele terá pruridos de se imiscuir na notícia, porque ele tem de preservar pelo menos a aparência de isenção. Um dono de jornal que quer ganhar dinheiro com jornal não pode admitir a censura ou a manipulação, e se ele censura e manipula, será escamoteando, será com vergonha daquele reporterzinho mixuruca que mora num quarto e sala na Azenha.

Hipocrisia. É o que salva o jornalismo, os casamentos e a civilização. Um repórter de mídia engajada não é um repórter; é um assessor de imprensa. Ele pode ter a convicção de que é um paladino dos oprimidos ou pode se contentar em ser um mercenário da informação, não importa: ele é um assessor de imprensa. Porque ele tem de ser de esquerda ou de direita, isso ou aquilo, ou não trabalhará no veículo engajado. E o repórter, acredite, sagaz leitor, o repórter é a estrutura óssea do jornalismo.

Enquanto existirem repórteres que saem à rua com a única intenção de ver, ouvir e apurar para, depois, relatarem exatamente o que viram, ouviram e apuraram, enquanto houver repórteres com esse espírito, repórteres de verdade, de bloco e caneta na mão, que passam o dia com o olho alerta para a grande pauta, que passam a noite lavando a poeira da garganta com cerveja e salvando o Brasil na mesa do bar, repórteres esfaimados, chatos, atrevidos e compassivos, enquanto houver repórteres assim, haverá jornalismo livre, e o jornalismo livre é a estrutura óssea da democracia.


Hipocrisia, sagaz leitor. Hipocrisia. A sinceridade rasga e fere. A sinceridade mata. A hipocrisia constrói.

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