17
de março de 2014 | N° 17735
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
Esperando Laura
Ele
não tinha especial apreço por livros, mas ia todos os anos à Feira. Um dos
poucos que lera dizia, sobre um fim de caso, que “lentamente, como a fina
escama de cristal de um peixe,” o personagem tinha percebido que as coisas
estavam mal paradas e que possivelmente ia levar um fora.
Tinha
rido daquilo: um caso não terminava feito escamas de peixe. Um romance acaba
porque morre o desejo, porque sucede uma briga, porque pintam a indiferença, o
ciúme, o tédio, ou algum incidente súbito e inexplicável.
E no
entanto agora, esperando Laura no discreto bar de sempre, se surpreendia
receoso das tais escamas de peixe. Tudo vinha num crescendo: primeiro a
linguagem, invariavelmente terna e amante, e de repente prática, contida,
impaciente. Depois, os desencontros: não, nem pensar, sábado tem o congresso de
semiótica, telefono segunda, tu-sabes-a-hora. Enfim, as ausências: meu sogro se
operou; quando fui pegar o carro, quem surge? a Matilde; não viste na TV que
aqui em Alhandra desabou o dilúvio universal?
Ele
chamou o garçom, trocou o café por uma dose de Dimple. A visão do copo não a
deixaria feliz, mas talvez o Dimple o ajudasse a juntar as peças do
quebra-cabeças que vinha preferindo manter dispersas e indecifráveis. E a
viagem para Búzios? E aquela história de dar um tempo? E as menções constantes
ao seu dono e senhor, à filha pequena?
Tinha
sido um belo romance outonal. Ele usou na mente essa forma verbal – tinha sido
– e logo bateu na mesa como para que apagá-la. Haviam se encontrado numa das
alamedas da Feira do Livro, em meio à multidão, celebraram o acaso trocando os
números dos celulares (Laura tinha esquecido o seu e então rasgara a capa de um
talão de cheques para escrever o do fixo) e alternando notícias sobre suas
vidas em todos aqueles anos em que não se viam. Na despedida, ela dissera:
cuidado quando ligar – uma primeira mensagem de cumplicidade que era todo um
convite.
Seguiu-se
um tempo maravilhoso e único em que aquela mulher esplendorosa como uma rainha se
dera a ele no pequeno apartamento da Cidade Baixa, preenchendo sua vida de
amor, de prazer e de ternura. E então começaram os sinais de distanciamento, a
princípio tênues, logo mais pronunciados, em seguida claros como naquele
entardecer.
Ele
olhou de novo o relógio: Laura estava atrasada. O celular de Laura não
respondia. O coração de Laura não respondia aos batimentos do seu, como tantas
vezes.
Tornou
a chamar o garçom para pedir um segundo Dimple. O garçom, que estava na
universidade, como hoje todo mundo, queria conversa e lhe mostrou um trecho do
livro que estava lendo.
Era
sobre a fina escama de cristal de um peixe.
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