15 de março de 2014 | N°
17733
PAULO SANT’ANA | PAULO
SANTANA
As pombas salariais
Quando eu era guri, eu morava em
uma casa de material que tinha sido posto veterinário da Brigada Militar, na
Chácara das Bananeiras.
Havia um amplo sótão na minha
casa e lá dormia cerca de uma vintena pombas.
Eu abria o alçapão do sótão, pela
noite, levava comigo um saco de aniagem e me dirigia, no escuro por todo o
sótão, a apanhar as pombas, que colocava no saco.
Interessante é que apanhava as
pombas sem nenhum protesto delas. Feita a colheita de cerca de 20 pombas,
deixava-as ensacadas junto da minha cama e, pela manhã, de bonde, levava as
aves até o Mercado Público, onde as vendia por cinco cruzeiros (moeda da época)
cada uma. Embolsava os cem cruzeiros e os guardava para financiar as matinês de
domingos.
Dava para uns seis meses de
matinês.
Era uma das raras, escassas,
formas de, como guri, arranjar dinheiro. Com as pombas, faturava apenas uma vez
por ano, era preciso que as novas pombas se acostumassem com meu sótão,
procriassem, para só um ano depois eu colher a outra safra.
Então, eu passava o tempo
juntando garrafas, ossos de animais e ferragens abandonadas, que vendia para o
ferro-velho.
Também colhia frutos no Morro da
Polícia, araçás, pitangas, bergamotas, ameixas, butiás etc. e conseguia
vendê-los por preço aviltadíssimo nas residências dos bairros.
Esses eram meus ganhos, sem falar
no mais arriscado de todos: eu fazia touro com café e leite condensado que
comprava na conta de meu pai na cantina da Brigada Militar que ficava na
Chácara das Bananeiras: comprava na conta de meu pai e revendia em armazéns,
era lucro de 100%, mas, quando meu pai descobria, eu levava um surra severa
como reprimenda.
Desde cedo, os guris aprendem o
valor do dinheiro e sabem o quanto custa ganhá-lo.
Uma vez, fui entregar roupas para
uma lavanderia da Avenida Rocio. Ganhava para isso cinco cruzeiros por dia,
eram 30 cruzeiros por semana.
Lembro-me que toda semana eu
comprava uma cerveja Malzbier para festejar no domingo. E meu pai me disse que
não concordava que eu trabalhasse um dia inteiro, mourejando nas ruas com sol
ou chuva para entregar as roupas, e depois fosse gastar o ganho inteiro de um
dia para tomar três copos de cerveja malte.
Mais vale um gosto do que três
vinténs, respondi a meu pai, que nunca deve ter esquecido essa lição que dei a
ele.
O bodegueiro, cansado de tanto
dizer aos fregueses que não vendia cigarro, colocou um cartaz: “Não vendo
cigarros e não sei onde vendem”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário