24
de março de 2014 | N° 17742
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
Boa-fé não faz mal a
ninguém
Há
uma semana, pouco mais, o STF pôs a pá de cal em velha controvérsia entre a
União e a Varig, condenando a estatal a pagar pesada indenização à empresa.
Fala-se em coisa de R$ 3 bilhões. O processo se arrastou mais de 20 anos e
todas as delongas possíveis fazem parte do passado.
Tudo
teria decorrido do congelamento imposto à Varig no tocante à atualização de
suas fontes vitais, legais e contratuais. Desse modo, durante dois ou três
anos, salvo engano, e inflação desenfreada, a empresa ficou impedida de
reajustar o valor de seus serviços. O resultado foi o que não podia deixar de
vir a ser. Decorrido esse longo período, os danos teriam chegado à cifra
bilionária. Este o fato em sua expressão esquemática.
O
caso em si mesmo é relevante, mas ele não se resume a duas entidades, uma
estatal e a outra privada, pois enseja a apreciação de um aspecto por vezes
ignorado. Entre nós, a administração, em vez de evitar abusos, por vezes,
parece que deles se utiliza na esperança de ser salvo por obra do Espírito
Santo e se esforça por empregar os possíveis recursos protelatórios, até que o
litígio perdure por anos e a controvérsia termine com a decisão final
transitada em julgado e com ela uma enorme dívida por saldar.
O
congelamento de preços é medida rápida e fácil, mas não pode ser senão
transitória, o mais breve possível; no entanto, dada a sua comodidade, tende a
durar o que não deve e não pode. No caso, o resultado foi aprofundar um poço
que aumentava dia a dia; a União esperando uma vitória forense que não chegou,
enquanto isso, o poço cresceu implacavelmente e com ele o valor da indenização
decorrente do abuso administrativo.
Sempre
me pareceu que se o homem comum está sujeito às regras ditadas pela seriedade e
boa-fé em suas relações civis, o Estado está a elas sujeito mais do que
ninguém, exatamente por ser o Estado, no entanto, isso nem sempre ocorre.
Outrossim, a Fazenda tem de ter um serviço jurídico modelar, pois se é verdade
que ela tem um único cliente, este o maior do Brasil, que é a própria União; em
condições de aconselhá-la pelo menos no plano judicial, seja no sentido de
sustentar o seu alegado direito ou a recomendar que não insista em uma
pretensão infundada e que pode resultar em onerosa. Aliás, recentemente
governos estaduais têm orientado seus defensores judiciais a não recorrer ou
não insistir nos feitos em que a jurisprudência dos tribunais superiores tenha
consagrado orientação divergente da dos Estados.
Caso
contrário, o Estado corre o risco de, ao cabo de certos litígios, ver-se em
face de sanções irrecorríveis, como sucedeu com o caso da Varig.
Enfim,
a boa-fé não faz mal a ninguém e a natural superioridade da União em relação
aos litigantes em geral autoriza que o poder público se sirva da equidade para
obter o que, às vezes, o império da lei não atinge.
Caso
de excepcional gravidade, aliás, já denunciado e surpreendentemente sem
repercussão proporcional, retornou ao noticiário. A compra pela Petrobras da malcheirosa
refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006, ao que tudo indica ainda dará muito
que falar e motivos não faltam.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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