15 de março de 2014 | N°
17733
CLÁUDIA LAITANO
O país dos sectários
Anos atrás, deixei de assinar
definitivamente uma revista de circulação nacional depois de ler um artiguete
contra o diretor Cacá Diegues. Na época, o que me irritou no texto, além do
despropositado tom de linchamento moral, foi o fato de o autor – não identificado,
se não me falha a memória – usar um assunto para, de fato, falar de outro. Cacá
Diegues era esculhambado de forma covarde não pelo que faz (filmes), mas pelo
que pensa (sobre política).
Todo veículo tem direito de
expressar claramente seu ponto de vista político e econômico em editoriais e em
artigos sobre política e economia, mas quando tudo, do Carnaval ao joguinho de
totó, é analisado a partir de uma determinada perspectiva externa ao objeto em
si, a chance de se ser intelectualmente desonesto (e de se dizer bobagem) é
muito grande. Vale para esquerda, direita e todos seus matizes ideológicos.
O episódio do cancelamento
aconteceu já há algum tempo. De lá para cá, o país de alguma forma mimetizou a
revista. Ficamos mais sectários – ou pelo menos mais explicitamente sectários.
As redes sociais popularizaram uma espécie de pensamento acrítico, disseminado
igualmente nos grandes veículos de imprensa, que se esforça para acomodar todos
os fatos dentro de uma pauta política, faça sentido ou não. A forçação de barra
pode ser pueril ou infame, mas em todos os casos empobrece o debate e desvia o
assunto para longe do que devia estar sendo discutido. Na verdade, essa postura
dispensa totalmente o debate: antes de saber do que estamos falando, todo mundo
já escolheu seu lado.
Três exemplos apenas desta
semana. Primeiro, o ridículo. O Ministério da Saúde lançou uma campanha de
vacinação nas escolas contra o vírus HPV. Alguns médicos são a favor, outros
são contra. Um típico debate em que o público leigo deveria abaixar suas
orelhas e apenas ouvir os especialistas de um e de outro lado antes de tomar
qualquer posição. Foi o que vários jornais fizeram. Para os que defendem o
governo em qualquer situação, porém, a conclusão foi imediata: os jornais
estavam ouvindo opiniões contrárias à vacina porque a campanha foi lançada por
um governo petista. Simples. Debater para quê, doutor?
Dois exemplos infames. Nesta
mesma semana, a deputada federal Manuela D’Avila e a atriz Letícia Spiller
foram assaltadas. Em um giro impressionante de eixo de debates, a tragédia
pessoal das duas foi usada para atacar suas visões pessoais sobre política e
direitos humanos. Aparentemente, pessoas que preferem que criminosos sejam
julgados e não linchados, que acreditam que presídios não deveriam funcionar
como matadouros e que educação de qualidade pode tirar jovens do caminho do
crime merecem ser assaltadas ou, no mínimo, deveriam aproveitar o infortúnio
para reavaliar tudo o que pensam sobre justiça social.
É mais ou menos como dizer que a
moça que usa minissaia estava pedindo para ser estuprada: pura e simples
cafajestice.
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