19
de março de 2014 | N° 17737
LUCIANO
ALABARSE
Que Deus tenha
piedade
Na
orelha do livro,William Gibson é apresentado como “o criador do gênero
cyberpunk, que une informática e inquietações históricas e filosóficas com
tramas pop violentas e cheias de ação”. Li dois de seus livros mais conhecidos,
Reconhecimento de Padrões e Território Fantasma.
O
estilo enervante do autor não facilita adesão à surpreendente tese de que não
temos futuro – não no sentido do futuro que nossos avós tinham, ou achavam que
tinham. O “agora” de Gibson muda tanto que se revela insuficiente para nos
assegurar qualquer futuro. O que resta, então, é o gerenciamento de riscos, o
tal “reconhecimento de padrões” do título. O que muda é o passado, ou melhor,
nossa versão da História diante dos interesses ocasionais do presente.
O
Brasil que, sem provas, prendeu um jovem ator negro por 16 dias e deixou tudo
por isso mesmo se encaixa bem nas teorias do autor. A pergunta que ocupou o
caderno Cultura de algumas semanas atrás, “Eles são terroristas?”, sobre os
black blocs, também. Afinal, o que é?, qual o objetivo real de um terrorista?
Amedrontar o inimigo utilizando métodos para degradar seus estatutos legais. A
sociedade democrática precisa repudiar com firmeza tanto vandalismos em
audiências públicas quanto aberrações jurídicas circunstanciais.
Mas,
se as leis dão a um país o direito de roubar 16 dias da vida de um cidadão
inocente, esse sistema legitima tais excessos. Quem tem razão é o Martinho da
Vila quando diz que “no Brasil, sempre que ocorre um roubo, desde que não seja
desvio de dinheiro público, o suspeito é um negro”. Racismo é ou deveria ser
crime inafiançável para todos, políticos, autoridades constituídas ou comuns
mortais num campo de futebol.
Em
busca de alento, reli O Mito de Sísifo, do Camus, em que o argelino afirma ser
o suicídio nosso único problema filosófico realmente sério. Foi revigorante. Em
O Homem Revoltado, proclama que “no dia em que o crime se enfeitar com os
despojos da inocência, a inocência é que será intimada a fornecer suas
justificativas”. Bingo. Sempre gostei mais da lucidez de Camus do que do
pessimismo de Sartre, de Caetano mais do que Vandré; mais de café do que de
chimarrão.
Baita
índio velho, reconheço em mim o padrão “ou isso ou aquilo”, mais gaúcho do que
um guasca pilchado pra Semana Farroupilha. Logo eu, que detesto o espírito
grenalístico que contamina nossa terra. Será da natureza do Rio Grande a eterna
competição e a necessidade de firmar território a custa do descrédito e da derrota
do Outro? Se for, que Deus tenha piedade de nós.
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