sábado, 22 de março de 2014


22 de março de 2014 | N° 17740
PAULO SANT’ANA | PAULO SANTANA

Prazer único

Um amigo meu só pode estar brincando: telefonou-me para dizer que certa vez surpreendeu sua mulher jantando com um homossexual, por isto mesmo nem ligou.

Meses depois, viu sua mulher num restaurante jantando com um homem. Nem ligou.

Até que anteontem surpreendeu sua mulher jantando com uma outra mulher. Rompeu definitivamente com sua mulher.

A tese esdrúxula dele é de que mulher jantando com mulher, aí tem coisa.

Vá entender a moral masculina. Meu amigo só pode estar louco.

Estas tardes de outono como a de ontem, além de cansativas, servem para profundas meditações.

Há tardes em que o tempo não passa, que servem exatamente para meditações.

E lá vou eu, não sei bem para onde. Vivo como quem já tivesse cumprido a sua meta na existência e que agora só vive o tempo como gorjeta.

Há tardes de outono como a de ontem, com sol brilhante, que servem só para que a gente faça balanço da vida.

Outono é a estação das folhas perdidas caídas no chão. Dizem que a primavera é a estação das flores. Outono é a estação das folhas caídas.

E o inverno e o verão são as estações do quê?

Eu, no inverno, me dedico ao chimarrão, ao mocotó, a me envolver em dois cobertores.

E, no verão, como não posso há décadas molhar os meus ouvidos, nunca mais tomei banho de rio ou de mar. Banho para mim, antes do trauma em meus ouvidos, era só mergulhar, o que consistia no maior prazer que já tive na existência.

Portanto, agora contento-me, no verão, absorto em pensamentos, a ver as outras pessoas mergulharem no mar e nas piscinas, invejo-as de longe.

E assim vai a minha vida, de estação em estação.

Passo em exame minha rotina atual e vejo, depois que levei uma paulada nas apostas em que perdi tudo o que tinha e que destinava às apostas, até que talvez um dia me recupere financeiramente e volte às apostas, meu único prazer é jantar.

Depois que perdi o apetite por causa do câncer curado na rinofaringe, jantar é o meu único e grande prazer, eis que deixei de almoçar depois daquele grande impasse na minha vida, por diminuição pela metade do apetite.

Jantar. Concentro nessa hora o meu único prazer.

Um galeto, uma massa à carbonara, uma grande salada envolta em camarões, são esses os meus prazeres durante a semana.

A velhice nada mais é do que a diminuição gradativa dos prazeres.


Assim como a juventude é a exacerbação e multiplicação dos prazeres.

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