29
de março de 2014 | N° 17747
CLÁUDIA
LAITANO
Todo dia é dia dos
bobos
Não
sei se caiu em desuso junto com o kichute e o estojo de madeira, mas o dia 1º
de abril já foi uma data importante no calendário escolar não oficial. Temido
por uns, ansiado por outros, o Dia dos Bobos era o exame nacional de admissão
na elite dos espertinhos – que nem sempre, ou quase nunca, eram os mais espertos
segundo as normas convencionais de avaliação.
Malandros
preparavam-se para o 1º de abril com a diligência que jamais demonstravam nas
tarefas de casa ou na preparação de provas. Havia brincadeiras elaboradas, que
exigiam um roteiro complexo e às vezes até o auxílio de figurantes, além do
talento histriônico de um ator shakespeariano. Às suas vítimas em potencial,
restava torcer por um golpe de sorte que os alertasse, antes de sair de casa,
de que aquele era um dia para desconfiar de tudo – do conteúdo do pastel da
cantina à chegada do homem na Lua.
Quantos
salafrários profissionais podem ter dados seus primeiros passos no ofício
pregando peças na escola, gargalhando diante da cara de tacho de um colega
boa-praça. Não que todo gozador da infância tenha crescido para adulterar o
leite das crianças ou convencer os outros a comprar usinas de petróleo a preço
de minas de ouro, mas muitos talvez tenham descoberto ali, naquele ensaio de
dissimulação tão naturalmente engendrado e posto em prática, um talento para o
engodo que não haviam percebido antes.
Se
hoje o 1º de abril perdeu um tanto de graça e outro tanto de utilidade (além, é
claro, de continuar servindo para fazer troça do Golpe de 64), talvez seja
porque a internet tornou possível um calendário com 365 dias da mentira por
ano. Abra agora a sua caixa de e-mail e é possível que você encontre pelo menos
uma das seguintes mensagens:
1)
Sua senha de banco está com problemas. Entre aqui e resolva.
2)
Sou uma senhora africana que acaba de perder o marido. Preciso da sua ajuda
para recuperar US$ 1 milhão da herança e salvar meus filhos da fome.
3)
Tenho fotos suas comprometedoras do último Carnaval. Entre em contato
urgentemente comigo.
Além
dos e-mails falsos, muito criativos em alguns casos, há ainda as contribuições
diárias das redes sociais postadas indistintamente por crédulos e mal
intencionados: teorias conspiratórias (“conglomerado americano derrubou o avião
da Malaysian Airlines”), falsas notícias (“consulado espanhol está distribuindo
passaportes europeus para 5 mil sobrenomes comuns no Brasil”), histórias mal
contadas sem fonte confiável e histórias bem contadas e de fonte confiável, mas
que não foram adequadamente checadas (“ditador da Coreia do Norte manda todo
mundo cortar o cabelo igual ao dele”).
A
vida cotidiana tornou-se um campo minado para os de natureza crédula e
confiante, para aqueles que não achavam graça em fazer os outros de bobos e que
às vezes caíam nas brincadeiras por excesso de boa vontade com o gênero humano.
Ainda assim, se pudessem voltar no tempo e optar por um dos dois lados, boa
parte deles talvez escolhesse permanecer dormindo o sono tranquilo daqueles que
não desconfiam de tudo a sua volta e que sempre acabam apostando no melhor lado
daquilo que ainda não se mostrou nem bom nem ruim.
Mas,
vai saber, talvez até isso seja apenas ingenuidade da minha parte.
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