31
de março de 2014 | N° 17749
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Tantas eternidades
Passou
o aniversário de uma linda senhora e eu não a cumprimentei. Porto Alegre
completou 242 outonos e não a abracei, talvez preocupado com os tropeços do país.
Cheguei
a esta cidade com seis anos, a bordo de um avião da Varig e de 38 graus de
febre. Tenho a vaga ideia de haver avistado nesse primeiro encontro a grande
enseada que se abria ao sul, surrealmente de um azul turquesa, mais a escadaria
da Rua João Manoel, mas pode ser que fosse a gripe.
Passei
a primeira semana recolhido ao leito, como se dizia então. Minhas irmãs me
noticiavam que, na sacada dos fundos do apartamento, ancoravam imensos navios,
e eu acreditei nelas piamente. Foi o que fiz logo que me deram alta: correr à tal
sacada dos fundos. Com a permissão de Machado, minha alma caiu ao chão. Havia,
sim, navios, bordô e prata, mas passavam a centenas de metros dali, para além
da chaminé do Gasômetro.
Sobravam,
no entanto, outras razões de encantamento. Quando pude afinal sair à rua, meu
pai me apresentou ao bonde Duque. Era algo que suplantava minha imaginação,
pois nos surgiu brilhando em meio à neblina. Descemos na Rua da Praia, esquina
com a Marechal Floriano, bem onde ficava a Casa Masson. Suas vitrines
cintilavam como joias na manhã fria.
Dali
caminhamos até a Galeria Chaves, onde me surpreendeu o vitral do forro, cuja
imagem nunca esqueci. Meu pai comprou um presente para minha mãe, na Joalheria
Ibañez, uma Casa Masson em porte menor, mas igualmente sofisticada. Voltamos a
caminhar e, na esquina com a Avenida Borges, fiquei admirando a troca de luzes
da sinaleira, manejadas por um guarda no alto de uma guarita.
Eu
olhava espantado para as alturas do Sulacap e do Vera Cruz: nunca imaginara que
houvesse edifícios tão altos.
– Mora
gente lá em cima? – perguntei a meu pai.
– Mora,
sim – disse ele. – Mas alguns andares são de escritórios. Já te mostro.
E
levou-me pela mão até a entrada de um deles, onde me apresentou a outro fenômeno:
o elevador.
A
quota de surpresas do dia ainda não estava completa. Seguimos em direção à Praça
da Alfândega, onde ainda tremeluziam um ou dois anúncios de néon. Paramos
diante de um prédio também alto, mas antigo, que ficava além de uns quantos
cinemas.
– Olha
ali – falou meu pai. – E eu tive o contato inaugural com a porta giratória do
Grande Hotel.
Na
esquina entramos na Livraria W. M. Jackson, onde ele ficou namorando as
lombadas das obras completas do já dito Machado. Um dia elas seriam nossas. São
essas mesmas que me acompanham, tantas eternidades depois, nesta biblioteca em
que teço esta crônica de saudade.
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