segunda-feira, 31 de janeiro de 2011



31 de janeiro de 2011 | N° 16597
FABRÍCIO CARPINEJAR


Couvert familiar

Todo pai deve se preparar para o vexame. Um dia seu filho terá uma banda de rock.

A formação do grupo é meteórica, inexplicável como sua dissolução. Não se planeja uma banda, acontece, como um beijo, uma fofoca, um suspiro. Ou porque seu guri está entediado e não tem nada a fazer ou porque é ambicioso e corre atrás de tudo que pode ser feito.

O ato é banal como criar um blog e aderir a uma rede social. Talvez nem seja informado, acabou o tempo em que conversar com o pai era coisa séria, antes a criança preparava o terreno com a mãe, avisava o assunto com antecedência, reservava o escritório.

Descobriu a novidade por acaso, ao assistir um vídeo no YouTube. Demorou a reconhecer o filho, que balançava os cabelos como uma vassoura, mas identificou a própria cama e também as cuecas samba-canção, queimadas num estranho protesto do quarteto a favor das baleias. Será um golpe duro, não tinha consciência de que seu filho tocava ou cantava. Nem o filho sabia.

Se você pensava que havia terminado o martírio das exibições escolares; se você dava graças a Deus pelo fim do ciclo dos teletubbies, dos bichinhos da parmalat, dos bananas de pijama; se você comentava que não havia coisa pior do que aplaudir 15 turmas com coreografias exatamente iguais; se você não aguentava o enxoval das fantasias, os ensaios que tomavam os finais de semana e exigiam caronas para cima e para baixo; se você se enxergava livre da obrigação de filmar cada cena e brigar a cotoveladas com o conselho inteiro de pais e mestres pelo melhor ângulo junto ao palco;

se você confiava que não passaria mais pela humilhação de mentir na saída que foi lindo e emocionante e deu um basta ao constrangimento de suportar três horas de pé esperando uma ponta de cinco minutos; se você jurava que não ouviria mais nenhum sermão de diretor profetizando que o futuro é das crianças; se você já se sentia um veterano de guerra, disposto a empinar o peito com as medalhas; se você já entrava com a papelada da aposentadoria, comece a mudar de ideia: seu adolescente é roqueiro.

Deprimente é ouvir como se chama a banda dele, sempre uma nomeação esdrúxula a indicar rebeldia. Grande chance de ser alguma doença venérea: Gonorreia, Sífilis, Herpes. Sorte grande se ficar no corredor dos detergentes e for Diabo Verde ou Pinho Sol.

Na terapia, o que lamentará mesmo é ter brigado com a esposa pelo nome do filho.


31 de janeiro de 2011 | N° 16597
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Moacyr

O prenome tão brasileiro designa um dos mais importantes escritores de nosso país. Essa importância tem índices plenamente visíveis.

Em primeiro lugar, Moacyr é importante em virtude de sua obra. Construída no decorrer de décadas, trazendo uma contribuição original aos temas de nossa literatura, os livros de Scliar instauram, pela primeira vez entre nós, um diálogo com as culturas incorporadas ao nosso inventário, em especial com a advinda das correntes imigratórias do século 20 – e entre estas a judaica.

Isso está presente em diversos de seus livros, dos quais se sobressai O Centauro no Jardim. O centauro-personagem é a justa metonímia de nosso hibridismo cultural.

Em segundo lugar, Moacyr é importante pela qualidade estética de seu texto. Aperfeiçoando sua prosa a cada obra, atinge um patamar em que a simplicidade une-se ao refinamento. Não há tropeços, não há erros – sua frase é límpida e, mesmo quando assume um tom coloquial, o faz com intensa literariedade.

Em terceiro, Moacyr é importante porque serve de modelo aos aspirantes a escritor. Ele encara sua arte como ofício, possibilitando aos iniciantes conhecer uma vitoriosa trajetória profissional, o que não é pouco, em nosso país de amadores.

Em quarto, Moacyr é importante pelo sentido de solidariedade, o que se revela pelo seu constante apoio aos colegas, veteranos e novatos, e isso ele faz em entrevistas, prefácios, “orelhas” e em cartas (hoje e-mails) pessoais. Atendendo a todos com afável atenção, nunca o vi desprezar o texto alheio – ele sempre encontra coisas positivas em um livro. Seu papel, assim, atinge o patamar de agente indispensável à cena literária brasileira.

Em quinto lugar, ele é importante porque é membro da Academia Brasileira de Letras, lá chegando exclusivamente por seus méritos. Ademais, ele é um dos seus mais operosos membros, instituindo-a como instituição viva e contemporânea.

Essas todas são razões (há muitas mais) para que se possa dizer que Moacyr Scliar representa o exemplo do escritor, do estimulador de talentos, do cidadão, do amigo.

E fiquemos à espera do próximo livro.


31 de janeiro de 2011 | N° 16597
SÉRGIO XAVIER FILHO


O Enem de Rivera

Os dirigentes estragaram tudo. Uma grande ideia que se perdeu pelas coxilhas entre Porto Alegre e Rivera. Um bom Gre-Nal castelhano seria um golaço de marketing. Por que ninguém consultou as possibilidades do calendário e desconfiou que um clássico no final de janeiro encontrava enormes possibilidades de times mistos?

Mesmo com a trapalhada da cartolagem, Gre-Nal é Gre-Nal. Até os de cachorro têm seus encantos. O de ontem não tinha a menor importância na tabela de classificação. Seu charme era outro.

Os jogadores de lado a lado ganhavam uma oportunidade de ouro para dizer a que vieram. Uma espécie de Enem da bola. Desafios distintos, claro. Para uns, o objetivo equivalia a uma faculdade de medicina. Para outros, um curso técnico.

Muriel, Adilson, Vilson pretendiam mostrar serviços que os qualificassem a ser titulares de seus times. Neuton, Mário Fernandes, Diego Clementino, Massari, Marquinhos e Guto jogavam para pedir a senha para o banco de reservas da equipe principal. Os outros, apenas para provar que merecem estar na lista da Libertadores.

Como costuma acontecer nessas provas importantes, o nervosismo toma conta da maioria. Ninguém conseguiu aproveitar a oportunidade de aparecer em um Gre-Nal menor com status de jogo grande. Guto fez gol e se atrapalhou no restante do jogo. Lins se atrapalhou logo que entrou e depois fez gol.

Na verdade, os gremistas chamaram mais atenção. Pelos erros. O Grêmio, afinal, tinha mais responsabilidades por estar em campo com um time B contra o C do Inter. O fato é que uma boa geração despontou nos últimos tempos no Olímpico. Mário Fernandes, Willian Magrão, Neuton e Maylson surgiram dando a impressão que seria questão de dias assumirem um lugar no time titular.

Os meses se passaram, e nada. Essa turma segue mais ou menos na categoria promessas. Ninguém passou no Enem de Rivera. Talvez fosse mesmo melhor cancelar a prova e repetir o teste em uma outra oportunidade.

*Diretor de Redação da revista Placar


31 de janeiro de 2011 | N° 16597
PAULO SANT’ANA


Resposta da Ordem

Estamos no meio do verão. E é impressionante como no verão as pessoas se arremessam obsessivamente para as águas do mar no Litoral, outros milhões correm para águas dos rios, de lagoas, de lagunas, de lagos, de córregos, além dos que, com privilégio, aprisionam as águas nas suas piscinas particulares ou nas piscinas dos clubes.

Mas, sempre no verão, a procura sôfrega das águas. E do sol. “Quando esquenta o sol aqui na praia/ sinto teu corpo vibrar junto de mim.”

Na verdade, estou aqui numa sala a escrever. E meu sonho é que estivesse nadando num pequeno lago, ali junto de mim uma cascata, sob o sol e sob a água.

Que delícia!

Escrevi esses dias em minha coluna uma crítica à Ordem dos Advogados pelo exame a que obriga todos os bacharéis que pretendem advogar.

Aproveitei aquela crítica para usufruir de uma outra: o preço de R$ 200 que a OAB cobra por inscrição dos bacharéis no temível exame. E critiquei também a cruciante burocracia que extenua os bacharéis que pretendem provar que não possuem recursos para pagar os ameaçadores R$ 200 pela inscrição.

Pois recebi da OAB nacional um pedido de exercício do direito de resposta. Aí vem o pedido:

“Em decorrência dos comentários efetuados pelo jornalista Paulo Sant’Ana, na edição do prestigioso Zero Hora, de 22 de janeiro, a OAB Nacional vem requerer seja publicado, a título de resposta, o seguinte:

1) O Exame de Ordem é exigido por lei federal, com o intuito de proteger o cidadão, pois ele merece um mínimo de qualidade na defesa de sua liberdade e de seus bens;

2) Em todo edital de vestibular ou teste seletivo para o curso de Direito, torna-se claro que o bacharel não se habilitará automaticamente ao exercício da advocacia; não há curso superior de advogado; mudar este quadro após a formatura seria alterar as regras com o jogo no final;

3) O lobby de muitos proprietários de faculdades é acabar o exame de ordem, com o intuito de oferecer no mercado um produto mais atrativo, esquecendo-se de sua obrigação em desenvolver um curso de qualidade;

4) Para a OAB, do ponto de vista financeiro, seria mais interessante admitir os 3 milhões de bacharéis em seus quadros, pagando anuidade de R$ 600. A OAB contaria com uma arrecadação de quase R$ 2 bilhões, superior a muitos entes da federação; a OAB, entretanto, jamais poderia negar a sua história de priorizar a proteção do cidadão;

5) Para aplicar um Exame de Ordem de qualidade, para o qual a OAB contratou a mais conceituada instituição do país, a Fundação Getulio Vargas, há custos que são pagos com a tarifa de inscrição; os examinandos que não podem comprovadamente pagar são isentos;

6) A Ordem entende que opressor seria permitir que o cidadão fosse defendido por profissional sem qualidade; não basta ter direito, faz-se necessário ir a juízo com adequação para obtê-lo; essa qualificação mínima é o que se busca com o exame de ordem.

Atenciosamente, (ass.) Marcus Vinicius Furtado Coêlho, secretário-geral da OAB Nacional.”


31 de janeiro de 2011 | N° 16597
L. F. VERISSIMO


Não é meu

Tenha paciência, este parágrafo começa com Leon Trotsky, mas acaba nas peladas da Playboy. Quando Trotsky caiu em desgraça na União Soviética, sua imagem foi literalmente apagada de fotografias dos líderes da revolução, dando início a uma transformação também revolucionária do conceito de fotografia: além de tirar o retrato de alguém, tornou-se possível tirar alguém do retrato.

A técnica usada para eliminar o Trotsky das fotos foi quase tão grosseira – comparada com o que se faz hoje – quanto a técnica usada para eliminar o Trotsky em pessoa (um picaretaço, a mando do Stalin).

Hoje não só se apagam como se acrescentam pessoas ou se alteram suas feições, sua idade e sua quantidade de cabelo e de roupa, em qualquer imagem gravada. A frase “prova fotográfica” foi desmoralizada para sempre, agora que você pode provar qualquer coisa fotograficamente.

Existe até uma técnica para retocar a imagem em movimento, e atrizes preocupadas com suas rugas ou manchas não precisam mais carregar na maquiagem convencional – sua maquiagem é feita eletronicamente, no ar. Nossas atrizes rejuvenescem a olhos vistos a cada nova novela. E quem posa nua para a Playboy ou similar não precisa mais encolher a barriga ou tentar esconder suas imperfeições.

O fotoxópi faz isso por ela. O fotoxópi é um revisor da Natureza. Lembro quando não existia fotoxópi e recorriam à pistola, um borrifador à pressão de tinta, para retocar as imagens. Nas Playboys antigas a pistola era usada principalmente para esconder os pelos pubianos das moças, que desapareciam como se nunca tivessem estado ali, como o Trotsky. Imagino que a pistola tenha se juntado à Rolleiflex no sótão da História.

Se a prova fotográfica não vale mais nada nestes novos tempos inconfiáveis, a assinatura muito menos. Textos assinados pela Martha Medeiros, pelo Jabor, por mim e por outros, e até pelo Jorge Luis Borges, que nenhum de nós escreveu – a não ser que o Borges esteja mandando matérias da sua biblioteca sideral sem que a gente saiba – rolam na internet, e não se pode fazer nada a respeito a não ser negar a autoria – ou aceitar os elogios, se for o caso.

Agora mesmo, está circulando um texto atacando o Big Brother Brasil, com a minha assinatura, que não é meu. Isso tem se repetido tanto, que já começo a me olhar no espelho todas as manhãs com alguma desconfiança. Esse cara sou eu mesmo? E se eu estiver fazendo a barba e escovando os dentes de um impostor, de um eu apócrifo? E – meu Deus – se esta crônica não for minha e sim dele?!

domingo, 30 de janeiro de 2011


FERREIRA GULLAR

Como cego em tiroteio

Muitos juristas insistem na complacência que favorece o criminoso e fere o direito dos cidadãos

EM BOA hora, o ministro da Justiça demitiu o novo secretário nacional de Políticas sobre Drogas, que mal assumira propôs acabar com a pena de prisão para o pequeno traficante. A ideia era trocar a prisão por penas alternativas e assim evitar que ele seja aliciado pelo crime organizado dentro das penitenciárias.

Ou seja, se não for preso, para de traficar. Você acredita nisso? Sou a favor de penas alternativas para autores de delitos menores e, sobretudo, quando não significam ameaça grave à sociedade. Não há por que meter na cadeia o sujeito que deu desfalque ou o autor de pequenas burlas no fisco.

A prisão se torna indispensável para o homicida, o estuprador, o assaltante. No entanto, com frequência, se sabe de estupradores e homicidas que voltam a atacar graças a privilégios que a lei lhes concede, como o de passar o Natal com a família. Eles saem da cadeia, não retornam e voltam a estuprar e matar.

Há muita coisa errada na aplicação da justiça no Brasil. Todo mundo sabe disso. Mas muitos juristas insistem na complacência que favorece o criminoso e fere o direito dos cidadãos. Um ministro da Justiça chegou a propor a revogação da lei que pune o crime hediondo, alegando que como não reduzira esse tipo de crime, mostrou-se dispensável.

Esse é o mesmo raciocínio com que se pretende pôr fim à repressão ao tráfico de droga, sob o pretexto de que, apesar dela, o tráfico cresceu.
Mas paremos para refletir: não faz séculos que a sociedade pune criminosos?

Não obstante, a criminalidade continua a crescer. Devemos, então, acabar com a Justiça e todo o aparato policial, uma vez que se mostraram incapazes de reduzir o crime?

Essa é uma conclusão simplista, que ignora as inúmeras causas da criminalidade. Se o comércio de drogas tem aumentado, apesar da repressão aos traficantes, é que estes contam com a colaboração preciosa de centenas de milhares de consumidores de drogas. Entre estes estão desde os garotos de escola, os adolescentes das favelas até gente bem posta na vida, como executivos, artistas, esportistas etc.

O que explica o aumento do consumo de drogas, mais que a ineficiência da repressão, é a adesão crescente de pessoas de todas as classes sociais. Basta raciocinar, honestamente, sem sofismas: quando o comércio de automóveis aumenta é porque aumentou o número de compradores de automóveis. A solução do problema do tráfico está na redução do número de consumidores de drogas.

E isso só se conseguirá promovendo uma ampla campanha de esclarecimento (entre outras medidas) em nível nacional e internacional, a fim de que os jovens entendam o que a droga tem de destrutivo e nefasto. Se se conseguir reduzir o consumo, reduzir-se-á consequentemente a produção e o tráfico.

No entanto, não vejo quase ninguém preocupado com isso. Raramente li ou ouvi declarações de autoridades ou militantes nesse campo que considerem a redução do número de consumidores a medida prioritária para combater o tráfico de drogas.

Em vez disso, defende-se a descriminalização das drogas e a não punição dos consumidores, que seriam, todos eles, vítimas patológicas do vício e, como tais, devem ser tratados e não punidos.

Na verdade, do mesmo modo que a maioria dos consumidores de bebidas alcoólicas não é alcoólatra, a maioria dos consumidores de drogas as consume socialmente. Desse modo, pensando ajudar os que são de fato vítimas, livra-se da repressão a grande maioria dos que consomem drogas socialmente e mantêm o mercado do tráfico.

Como se isso não bastasse, surgiu agora essa nova proposta tão ou mais desastrada que aquela: livrar de prisão o pequeno traficante, que logo contou com a adesão de especialistas nesse assunto. Um deles chegou a afirmar que quem a isso se opõe é "moralista", como se consumir drogas fosse uma conquista ética e combatê-las, um retrocesso moral.

A alegação de que o pequeno traficante, se preso, será aliciado pelo crime organizado, não tem cabimento, uma vez que, se ele foi preso, é porque já traficava. Trocar a prisão por trabalho comunitário seria ampliar sua área de atuação, agora sob proteção oficial.

ELIANE CANTANHÊDE

Uma presidente, vários incêndios

BRASÍLIA - Dilma Rousseff enfrenta nesta semana sua primeira viagem internacional, a reabertura do Congresso e o reinício do Supremo, tudo com a crise no Egito -ou seria no mundo árabe?

Na Argentina, Dilma acertará com Cristina Kirchner a construção de um reator nuclear bilateral para fins civis e terá momentos de grande simbologia ao se encontrar com as Mães da Praça de Maio, dias depois de comparar vítimas de ditaduras a vítimas do Holocausto. Ou seja: vai sinalizar que seu governo dará passos firmes para investigar crimes do regime militar.

No Congresso, onde o salário mínimo será seu grande teste, o problema não são as oposições, desunidas e desnutridas, mas sim os próprios aliados, também desunidos, mas muito bem alimentados e ainda assim famintos. A guerra PT-PMDB foi devidamente resumida pelo peemedebista Eduardo Cunha: "Quem com ferro fere com ferro será ferido". Leia-se: é guerra!

No Supremo, a grande questão em pauta é a extradição ou não do ex-terrorista Cesare Battisti para a Itália. Lula disse não, mas parte dos ministros considera que o tratado Brasil-Itália não dá poderes discricionários aos presidentes.

Por esse entendimento, o Supremo é quem decide, e a Lula cabia apenas dizer quando e como Battisti seria entregue. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi (sim, esse mesmo) não dá tanta bola para o assunto, mas o presidente Giorgio Napolitano mantém a pressão.

E a cúpula América do Sul-países árabes vem aí, dia 16, em Lima, com as ditaduras árabes tremendo nas bases e o Brasil tentando fingir que não tem nada a ver com isso.

Ou seja, em cima do muro. Até lá, pode ser compelido -até pela comunidade internacional- a descer para o lado de Mubarak ou da oposição. E lá se vai a cúpula peruana.

Viver não é fácil. Governar é pior ainda. Mas Dilma sabia muito bem onde estava se metendo. Ou melhor, onde Lula a estava metendo.

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

A grande desconexão

DAVOS - Pego numa das estantes do Centro de Congressos de Davos, sede do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, a revista "Trends", que trata de negócios no mundo árabe.

Atraiu-me o título: "Nova alvorada". Estava certo de que tratava da alvorada democrática que se esboça em países árabes. Baita engano. A capa é para explicar "como o Oriente Médio está conduzindo o mundo para fora da recessão". Nem o governo Lula era tão ufanista.

Há também um texto sobre o Egito. Sobre a crise? Nada. É sobre as riquezas não exploradas.

O mais inacreditável é um "slash" no alto da capa: trata de como "a primeira-dama de um país norte-africano está mostrando o caminho com os direitos da mulher". Nome da primeira-dama: Leila Ben Ali, mulher do presidente deposto da Tunísia, atingido pela corrupção desenfreada liderada pela família de Leila.

A revista é um retrato acabado da desconexão entre o mundo de negócios, ao qual obviamente ela se dirige, e a rua. As elites árabes parecem viver numa bolha, completamente afastadas da realidade de seus cidadãos.

Mas não são só as elites árabes. O mundo empresarial demonstra, pelo menos aqui em Davos, uma preocupação obsessiva com a criação de um bom ambiente para os negócios, mas escassa atenção para criar um bom ambiente para seus empregados (e, acima de tudo, para os desempregados).

Claro que é sempre possível dizer que, se os negócios vão bem, o mundo vai bem, os assalariados ganham, todo mundo no fim das contas recebe sua cota.

Não é o que demonstra o colossal número de pobres e miseráveis do planeta nem o fato de que a economia americana voltou a crescer bem, mas o desemprego estacionou perto dos 10%.

O mundo seria mais saudável se essa desconexão fosse sanada.

crossi@uol.com.br

sábado, 29 de janeiro de 2011



30 de janeiro de 2011 | N° 16596
MARTHA MEDEIROS


A vida antes da morte

Nada de errado em buscar conforto no espiritismo, mas acreditar numa única vida me parece mais desafiador

Assisti ao Além de Vida, de Clint Eastwood, e excetuando-se a impressionante cena inicial do tsunami, não me empolguei com o filme. Achei os diálogos fracos, o roteiro apático e as cenas de vidência do personagem de Matt Damon muito simplistas - o que, de certa forma, é mais honesto do que recorrer à teatralidade geralmente conferida às sessões espíritas. Mas o fato é que o simplismo reduziu o médium a um garoto de recados.

Respeito profundamente quem se dedica, da forma que for, a estudar, investigar e crer na vida após a morte. Nunca vivi a experiência de ter contato com alguém que já se foi, então reconheço que estou descredibilizada para opinar se ela existe ou não existe, mas nada me impede de levantar uma questão: que diferença faz?

Quando a alma de um falecido se comunica através de atos (no caso do filme de Eastwood, retirando o boné da cabeça do menino Marcus na estação de metrô) ou em palavras (como nas sessões em que um espírito baixa e pede desculpas pelos erros passados), isso sugere que alguém que não vive mais neste plano pode nos proteger ou então ajudar a reconstruir nossa vida.

Os anjos podem orquestrar pequenos incidentes a fim de facilitar nosso caminho aqui na terra ou podem entrar em contato para nos livrar de alguma culpa e serenizar nosso coração avisando que estão bem e que um dia nos reencontraremos.

Então, faz alguma diferença, concordo. Mas não a ponto de gerar apatia, de fazer com que se fique no modo de espera. Há quem acredite mais na vida após a morte do que na vida antes da morte, esta aqui, onde erramos e acertamos. Esta, onde na maioria das vezes nossos anjos estão cochilando e nos deixam à deriva.

Nesta vida presente, onde devemos aprender a lidar com nossas carências e a confiar mais no dia de amanhã do que na longínqua eternidade. Aqui, onde amamos e somos amados, onde devemos praticar o perdão e acertar nossas contas olho no olho, sem transferir dívidas para o além.

Nada de errado em buscar conforto no espiritismo - milhões o fazem - mas acreditar numa única vida me parece mais desafiador, exige mais responsabilidade de nós. Por mim, não precisaria haver nada depois da morte.

Prefiro os pontos finais às reticências. Confissões, declarações, revelações, tudo me parece mais eficiente para nosso sossego quando praticado aqui e agora. Se eu tenho um anjo a olhar por mim, tanto melhor, mas não muda o meu comprometimento com meus atos e minhas escolhas.

Não me agrada a ideia de continuar existindo ininterruptamente, e tampouco as pessoas que eu amo. E o descanse em paz, onde fica? Apagar a luz e dormir. Zzzzzzzzzzz. Essa é a única eternidade que me seduz.

Mas não agora, anjo.


30 de janeiro de 2011 | N° 16596
ARTIGO | Robert J. Schiller


A ECONOMIA DO POVO

Estamos no meio de um crescimento explosivo na economia popular: livros, artigos, blogs, palestras públicas, tudo seguido de perto pelo público geral. Recentemente, participei de um painel que discutia esse fenômeno na reunião anual da Associação Americana de Economia, em Denver.

Um aparente paradoxo emergiu da discussão: a expansão na economia popular vem em uma época em que o público geral parece ter perdido a fé nos economistas profissionais, porque quase todos nós falhamos em prever, ou mesmo em avisar, sobre a atual crise econômica a maior desde a Grande Depressão.

Então, por que o público está comprando mais livros de economistas profissionais? A explicação mais interessante que ouvi foi a de que a economia tornou-se mais interessante, porque não parece mais ser uma disciplina pronta e fechada. Não há diversão em ler um livro ou um texto que diz que a previsão econômica é melhor se deixada para modelos gerados por computadores que você, o leitor comum, precisaria de um Ph.D. para entender.

Todos os debatedores dizem, de uma maneira ou de outra, que a economia popular facilita a troca entre economistas especializados e o público mais amplo, um diálogo que nunca foi mais importante do que agora. Afinal, a maioria dos economistas não sentiu a chegada da crise em parte porque haviam se excluído de saber o que faziam e pensavam as pessoas no mundo real.

A economia popular de sucesso envolve o leitor ou o ouvinte, de certo modo, como um colaborador. Até recentemente, muitos economistas profissionais relutariam a escrever um livro popular. Certamente, não seria visto de forma favorável ao considerar-se um candidato para um cargo ou uma promoção. Já que não inclui equações ou tabelas estatísticas, eles diriam, não é um trabalho sério que vale a atenção dos acadêmicos.

Imagine como os profissionais de medicina veriam um de seus membros que recomendasse ao público geral alguma terapia que ainda não houvesse passado pelo escrutínio das autoridades competentes.

Profissionais da medicina sabem a frequência em que uma nova terapia, que parece promissora, acaba sendo comprovada como ineficaz ou mesmo perigosa, depois de estudo mais cuidadoso. Há um rigoroso processo de revisão acadêmica das novas terapias propostas, associadas com publicações profissionais que detêm altos padrões de pesquisa. Passar por cima desse processo e promover ao grande público ideias novas que ainda não foram testadas não é profissional.

Nas décadas que precederam a atual crise financeira, economistas gradualmente vieram a se enxergar do mesmo modo, encorajados pela tendência de pesquisas. Por exemplo, depois de 1960, quando a Universidade de Chicago começou a criação de uma fita de computador Univac que continha informações sobre milhões de preços de ações, muita pesquisa científica nas propriedades de preços de ações foi tomada como confirmação da “hipótese dos mercados eficientes”.

As forças competitivas que são a base da bolsa de ações pareciam forçar o preço dos títulos de crédito a seus valores reais fundamentais. Todo o esquema de comercialização que não estava baseado nessa hipótese era rotulado como fraude, mal conduzida ou direta. A ciência havia triunfado sobre a opinião dos especialistas de mercado – ou era o que parecia.

A crise financeira foi um golpe fatal nessa superconfiança na economia científica. Não é apenas que a profissão não previu a crise. Seus modelos, tomados literalmente, muitas vezes sugeriam que uma crise dessa magnitude não poderia acontecer. Uma maneira de interpretar é que a profissão de economista não tinha em plena conta o elemento humano da economia, um elemento que não pode ser reduzido à análise matemática.

Os relativamente poucos profissionais de economia que avisaram sobre a crise atual eram pessoas, ao que parece, que não apenas liam a literatura econômica acadêmica, mas que também traziam um julgamento mais pessoal: comparações intuitivas com episódios históricos passados, conclusões sobre especulação, bolhas de preço e estabilidade da confiança, avaliações do propósito moral dos atores econômicos e impressões que a complacência havia se instalado, seduzindo os fiscalizadores a relaxar.

Esses eram julgamentos feitos por economistas conhecedores da nossa liderança empresarial – suas inspirações, crenças, subterfúgios e racionalizações. Suas visões jamais poderiam ser submetidas a uma publicação acadêmica e avaliadas como é feito um procedimento médico. Não há procedimento científico que poderia provar sua validade.

Como colocou o economista Edwin R. Seligman em 1889, “economia é uma ciência social, ou seja, é ciência ética, e portanto histórica... Não é uma ciência natural e, portanto, não é uma ciência exata ou puramente abstrata.”

Para mim, e sem dúvida para outros debatedores, parte do processo de perseguir os aspectos inexatos da economia é falar honestamente ao público mais amplo, olhando-o nos olhos, aprendendo com ele, lendo os e-mails que manda, e então buscando a alma para decidir se a teoria escolhida por um autor realmente está próxima da verdade.

Robert Shiller, professor de Economia na Universidade de Yale e economista-chefe na MacroMarkets LLC, é coautor, com George Akerlof, de O Espírito Animal: Como a Psicologia Humana Impulsiona a Economia e a sua Importância para o Capitalismo Global.


30 de janeiro de 2011 | N° 16596
VERISSIMO


Entre grades

O que um gorila tem a ver com o romance “Lolita”, de Vladimir Nabokov?

O Vladimir Nabokov certa vez deu uma curiosa explicação sobre a origem do seu romance Lolita. Disse que sua inspiração fora a notícia que lera em algum lugar sobre uma experiência feita num jardim zoológico em que ensinaram um gorila a desenhar, e o primeiro desenho feito pelo gorila foi das barras da sua jaula.


Se Nabokov não estava deliberadamente tentando enlouquecer um entrevistador - afinal, o que o gorila entre grades tem a ver com a história da paixão de um homem mais velho por uma menina de 12 anos, e seu trágico desfecho? - sua resposta pode ter vários significados.

Um deles é o confinamento dentro do próprio texto que é a sina de todo autor, mais evidente no caso do narrador de Lolita, um prisioneiro do seu estilo tanto quanto da sua obsessão por ninfetas. Como o gorila artista dentro da sua jaula, o narrador escreve sobre os seus limites. O seu verdadeiro assunto é a linguagem.


Humbert Humbert, o narrador de Lolita, escreve em vários níveis de paródia. Parodia a vulgaridade americana do ponto de vista de um intelectual europeu mas também faz uma paródia do intelectual europeu deslocado e ridicularizado no Novo Mundo, em que o auto-desprezo pela sua impostura cultural se mistura com a culpa. Mas ele não pode se livrar nem do seu pedantismo nem da sua obsessão.

Lolita está cheio de jogos de palavras, imagens preciosistas, símbolos obscuros, referências literárias - toda a parafernália da ostentação intelectual mobilizada para um só fim, o de justificar uma paixão incomum. Tanto o gorila quanto o Humbert Humbert descrevem o que os separa do mundo.


No livro A Última Tentação de Cristo, de Kazantzakis, há um diálogo em que um personagem diz a outro que seus olhos não entendem a mensagem de um profeta porque não veem nada além das palavras. “Mas o que as palavras podem dizer? Elas são as grades negras de uma prisão onde o espirito grita para ser ouvido”. No seu livro Speak, Memory (Fala, Memória) o próprio Nabokov diz que está “cativo num zoo de palavras”.

A ideia das palavras como grades que impedem a expressão do espírito ou como uma insatisfatória seleção sem alternativas de animais atrás das cercas de um zoo deve ter ocorrido a muitos autores. Em toda a fascinante literatura da Clarice Lispector, por exemplo, se repete este choque com o limite da linguagem, esta incapacidade angustiante de dizer o indizível, de ultrapassar as grades.

O que se quer dizer está sempre lá fora, além das palavras.


“A glória de Deus é encobrir, mas a glória dos reis é tudo investigar”, disse Salomão (“Provérbios” 25:2). Substitua-se “reis” por escritores e artistas e sua busca de glória pela investigação de toda a experiência humana e seus mistérios, e chegamos ao Nabokov e seu gorila.

Nunca ultrapassaremos as grades. Podemos no máximo sacudi-las com mais ou menos talento ou vigor, mas resignados à ideia de que a verdadeira glória de Deus começa onde termina a linguagem.

Pois trata-se de um Deus ciumento, senhor de todas as nossas paixões, e indisposto a compartilhar sua glória, ou sua literatura, com quem quer que seja. Mesmo o Nabokov ou a Clarice.


30 de janeiro de 2011 | N° 16596
PAULO SANT’ANA


O meu medo covarde

Todas as noites, exatamente todas as noites, me encontro, em meu quarto, quando vou dormir, com meu medo.

Às vezes, quando meu medo contém ameaça mais grave, ele não me deixa dormir.

Quando a ameaça é menos grave, consigo com algum esforço conciliar-me com o sono.

Mas ali estou em meu quarto todas as noites encurralado pelo medo.

Já li em algum lugar que o medo é inseparável do homem. Eu queria apenas que ele não fosse permanente, que me assaltasse de quando em vez.

Mas meu medo não se despega de mim nunca, ronda todos os meus passos, dá ritmo para todos os meus movimentos, atrapalha o meu andar e os meus pensamentos.

Por onde vou e em todo o lugar que estou, acompanha-me este medo covarde.

Quando estou na rua ou no trabalho, este medo se atenua porque me distraio com as outras coisas com que tenho de tratar ou de pensar.

Mas, quando me recolho a meu quarto à noite, dá-se o inevitável embate entre mim e meu medo covarde.

Eu já por mim temo de que tenha de me recolher a meu quarto à noite. Lá estará me supliciando, me enredando, me dominando este medo temível e ameaçador.

Por vezes, o mesmo medo de alguma coisa terrível me persegue por vários meses. E vai me roendo, me consumindo, uma cruz cravada sobre o meu ser com todos os inenarráveis tormentos que provoca o medo.

Estou falando deste medo covarde que me algema os pulsos e acorrenta minhas pernas e estertora minhas ideias.

O medo que tenho desde rapazinho, ligado quase sempre à incerteza do futuro até o arrependimento do passado.

Queridos leitores e leitoras, nada mais estou fazendo por esta coluna que não seja alertá-los para os medos de vocês.

E por algum jeito queria dizer-lhes que é impossível viver sem medo.

Quem tem vida tem medo, quem tem sonhos tem medo, quem cobiça tem medo e maior medo ainda tem quem não possui ambição.

Mas o que mais dói, o que mais punge e o que mais devora é que estou convencido de que, nas núpcias sinistras que celebro há tantos anos com meu medo covarde, são elas para mim tão imprescindíveis e inadiáveis, que o medo integra o ar que oxigena meus pulmões, que eu só me mantenho ereto e vivo por este meu medo covarde e que, no final das contas, este meu medo é o único companheiro que me restou para todos os instantes, ele é que me arremessa para a coragem de viver.

E para a valentia de sobreviver.

JOSÉ SIMÃO

Uau! Paris Hilton é chiclé de bola!

Daqui a pouco vão dizer que a Paris tem celulite, joanete e mau hálito. Acho que tem mesmo. Rarará!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Interpol dispara alerta mundial para localizar ex-ditador da Tunísia. Mas o nome dele já diz tudo: BEN ALI! E mais um predestinado: é que em BH tem um urologista chamado doutor Reginaldo MARTELO!

Quando ele nasceu, a mãe disse: "Meu filho, você vai se chamar Reginaldo Martelo e vai martelar as pudendas dos outros".

E sabe como se fala partes pudendas na Bahia? Partes por dentras. Rarará!

E a Paris Hilton chegou pra desfilar no SP Faxion Bixa! De novo? A Paris Hilton que se cuide. Celebridade não pode vir muito ao Brasil que o povo já começa a implicar: "Lá vem aquela chata!".

"Disfarça que lá vem aquela chata." Daqui a pouco vão dizer que ela tem celulite, joanete e mau hálito. Acho que tem mesmo! E que ela é mais sem graça que água de salsicha! Loira água de salsicha!

Com a Madonna foi assim. Na terceira vez em que ela veio pro Brasil, um carioca falou: "Essa Madonna já tá enchendo o saco". E a definição da Paris Hilton: um chiclé de bola com cartão de crédito. Rarará!

E a manchete do Sensacionalista: "Dilma anuncia mínimo de dez centímetros". Não dá pra nada. Rarará! E quatro sugestões do que fazer com o salário ínfimo.

1) Cortar cabelo na rodoviária e comprar um picolé da Yopa.

2) Investir em gado: comprar meio quilo de bife.

3) Trocar de carro: trocar aquele Fusca velho por um mais velho ainda.

4) Ou então comprar tudo em camisinha e ficar vivendo de amor. Ueba!

E mais essa: diretor de "Lixo Extraordinário" fará documentário sobre o Vasco. E o Vasco não emplaca nem no "BBB".

Ariadna é de gêmeos e torce pelo Vasco, eliminada. Mauricio é de áries e torce pelo Vasco, eliminado!

Comentário do Kibe Loco: "É melhor ser manifestante no Egito que vascaíno no Rio!".

O brasileiro é cordial! Mais uma do Gervásio. Olha a placa na empresa em São Bernardo: "Se eu pegar alguém aqui com bafo de cachaça, vou fazer esse filho do Brasil tomar um litro de óleo de rícino com ácido de bateria até cuspir fogo feito dragão. Conto com todos. Assinado, Gervásio".

E mais cordial ainda: tem uma cidade em Minas que se chama Tiros. E a placa: "Seja bem-vindo a TIROS". Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

HÉLIO SCHWARTSMAN

Bismillah

SÃO PAULO - "Bismillah al rahman al rahim". Em nome de Deus, o clemente, o misericordioso. Não sei quais são os planos de Allah para Hosni Mubarak e o Egito, mas devo confessar que estou dividido.
É sempre um prazer ver ditadores levando a pior.

Mas -sempre há um "mas"-, na hipótese de Mubarak ser mesmo defenestrado, é pouco provável que o Egito se converta numa república anarco-autonomista. Como a política tem horror ao vácuo, alguém ou alguma estrutura de poder ocupará o lugar vago.

No momento, vislumbram-se dois candidatos. O ex-diretor da agência nuclear da ONU e prêmio Nobel da Paz, Mohamed ElBaradei, viajou às pressas para o Cairo para tentar surfar na onda do movimento, cacifando-se como líder unificador da oposição. Tem a seu favor uma boa reputação internacional.

Contra si, há o fato de que é quase um estrangeiro (vive no exterior há décadas) e pode ser facilmente rotulado como um Mubarak "light" (sua eventual ascensão representaria mais uma troca de guarda do que uma verdadeira revolução).

Um candidato mais verossímil é a Irmandade Muçulmana, grupo islâmico que goza de bastante popularidade. Mesmo sendo ilegal, conseguiu fazer 88 deputados "independentes" (20% do Parlamento) no pleito legislativo de 2005.

O problema com a Irmandade Muçulmana é que ela é muçulmana demais. Uma de suas várias ramificações é o Hamas palestino que, depois que chegou ao poder na faixa de Gaza, passou a impor restrições de caráter religioso à população e a perseguir membros da oposição.

Uma possível entronização da Irmandade Muçulmana no Egito não só viraria do avesso a geopolítica do Oriente Médio como ainda poderia levar ao estabelecimento de uma nova teocracia na região.
Dá para conciliar um Estado religioso com democracia?

Ou o regime de liberdades só é possível se houver uma forte laicização da sociedade, a qual ocorreu no Ocidente mas não no islã?

Ruth de Aquino

O vexame das aposentadorias

Os benefícios concedidos a ex-governadores e a seus herdeiros são um roubo e desmoralizam os políticos

Causam asco as aposentadorias inconstitucionais, milionárias e vitalícias de ex-governadores e seus herdeiros. Esses benefícios são um roubo e desmoralizam a profissão de político. Em toda a sua vida ativa, o cidadão comum e assalariado é chamado de “contribuinte”. O nome é correto. Contribuímos ao pagar impostos. No Brasil, infelizmente, os impostos são escorchantes e não servem para seu fim mais nobre.

Em países civilizados, essa contribuição tem um sentido público claro. Medicina e educação costumam ter qualidade e ser gratuitas. Quantos de nós pagaríamos impostos com mais alegria se o dinheiro descontado mensalmente do salário financiasse serviços para os mais carentes e a classe média.

A aposentadoria máxima é de R$ 3.200 por mês para quem trabalha 35 anos. Mas os ex-governadores estão acima das regras. Mesmo que governem um Estado por apenas alguns dias, podem ganhar aposentadoria de R$ 10 mil a R$ 24 mil. Para sempre, até morrer. E, após a morte, as viúvas assumem integralmente o benefício (leia mais).

O Supremo Tribunal Federal, em 2007, considerou inconstitucional a aposentadoria de Zeca do PT, ex-governador de Mato Grosso do Sul. Mas o STF é mais lento quando a ação se destina a derrubar a mesma lei no Maranhão. Essa ação “está tramitando” no Supremo. O alvo é o clã Sarney: José e a filha Roseana ganham pensão vitalícia de R$ 24 mil.

São tantos os penduricalhos na conta do magnata da política José Sarney que, durante um ano, ele não percebeu que depositaram irregularmente o auxílio-moradia de R$ 3.800. Foram R$ 45 mil de “equívoco”, que depois ele afirma ter devolvido.

O senador, ex-presidente e ex-governador do Maranhão ganha subsídio de R$ 26 mil, verba para passagens, casa, gasolina, e ainda por cima uma pensão eterna. Como descobrir aquilo a que não tem direito? Sarney tem direito a tudo, mesmo que seu Maranhão tenha indicadores sociais lamentáveis. Como disse o ex-presidente Lula, Sarney “não pode ser julgado como um homem comum”.

A OAB entrou no Supremo, na sexta-feira, com ações de inconstitucionalidade contra as aposentadorias de ex-governadores de dois Estados: Sergipe e Paraná. As pensões são descritas como “grave ofensa ao princípio republicano”.
Os benefícios concedidos a ex-governadores e a seus herdeiros são um roubo e desmoralizam os políticos

O Paraná é um caso especial e curioso de hipocrisia. Não contente com os R$ 18 mil mensais que recebeu de pensão nos últimos meses, o senador tucano Álvaro Dias pediu à Justiça mais de R$ 1,5 milhão de benefícios retroativos pelo período em que governou o Paraná, de 1987 a 1991.

Depois de flagrado, disse que a dinheirama seria para doar a uma instituição assistencial que mantém uma creche em Curitiba. “Centavo por centavo”, diz ele. Você acredita?

Digamos que sim. Que Álvaro Dias seja um senador beneficente, em busca de uma vaga no reino dos céus. Mas o senador por acaso sabe que caridade se faz com o próprio dinheiro, e não com o dinheiro de seus eleitores? Eles podem preferir doar para cegos, órfãos, idosos.

Ou simplesmente não doar o que não têm, porque ainda sonham com impostos menores e mais justos no Brasil. Como disse o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, “queremos estancar essa sangria com dinheiro público”.

É estranho que uma imoralidade como essa seja praticada em vários Estados há anos, sem que ninguém se rebele. Ninguém sabia de nada? Fala-se tanto de rombo na Previdência. Nós pagamos mais de R$ 30 milhões por ano de pensões para ex-governadores de todos os partidos. São os mesmos políticos que, no Senado, querem a volta da CPMF porque a saúde está em frangalhos.

Por que o STF não cria uma regra para todo o país? Regrinha básica: “Ex-governadores não podem violar a Constituição nem meter a mão no bolso dos outros”. Dá para entender?

Queria dar voz a um leitor de Belo Horizonte, Luiz Antonio Mendes Ribeiro: “Pura safadeza! Esses políticos desrespeitam as leis, engendram mutretas para se locupletar e não se envergonham de nada. Vamos dar um choque de decência nisso”.

Vamos mesmo?

29 de janeiro de 2011 | N° 16595
NILSON SOUZA


A lição de Camila

Fiz três vestibulares na UFRGS e tenho diplomas de duas faculdades, a queridíssima Fabico (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação) e a não menos amada Esef (Escola Superior de Educação Física). Significa que, numa das tentativas, fui reprovado com louvor – exatamente na primeira, quando recém concluíra o ensino médio da minha época. Foi horrível.

Ninguém me cobrava nada, minha família era muito mais ligada ao mundo do trabalho braçal do que ao universo das letras, mas eu me senti arrasado, destruído, humilhado. Afinal, aquele era o meu teste de serventia para a vida. Se não era capaz de passar num exame de seleção depois de tantos anos de estudos, talvez eu fosse mesmo um inútil.

Queria, e queria muito, ver o meu nome naquela lista, ser reconhecido pelos colegas, celebrar com eles o sucesso da aprovação. Mas tive que curtir por vários dias a minha fossa, sem qualquer perspectiva de consolo, pois, se as vitórias costumam ser coletivas, a derrota é sempre individual. Como é doloroso encarar um tropeço, especialmente quando se está tentando romper a barreira de emoções que separa a adolescência da idade adulta.

Mas passou. O tempo, como escreveu no peito da camisa um presidente de triste lembrança, é mesmo o senhor da razão. Pena que na adolescência a gente tem pouca consciência disso, acha que tudo deve acontecer rápido, do jeito que queremos. Hoje penso que aquela reprovação acabou sendo uma consistente lição de paciência.

Como não tinha a mínima condição financeira para estudar numa universidade privada, tive que engolir a frustração e me preparar melhor para o exame seguinte. Alcancei o meu objetivo, com um lucro adicional: aprendi que persistir é mais importante do que conquistar tudo com facilidade.

Meu tempo é outro, minha experiência talvez nem tenha significado para a meninada de hoje. Mas a experiência de Camila Chiodi tem. Ela foi a primeira colocada no recente vestibular da UFRGS e vai cursar Medicina, como sempre sonhou.

É provável que tal performance tenha despertado invejas nos garotos e garotas da sua idade. Quem não gostaria de ser Camila? Pois esta jovem de 21 anos, que chegou na frente de 5 mil aprovados e de outros 30 mil que ficaram de fora, vinha de quatro reprovações.

Isso mesmo: por quatro anos consecutivos, ela deve ter sentido a mesma desilusão que eu senti na minha época e que estão sentindo hoje milhares de meninos e meninas que não viram seus nomes no listão.

Sei bem que isso não serve de consolo – e nem acho que se deve tentar consolá-los. Creio que aprender a administrar as próprias frustrações faz parte do processo de amadurecimento pessoal.

Mas tenho certeza de que sairão mais fortalecidos da experiência aqueles que entenderem melhor a lição de Camila sobre essa matéria intangível chamada Persistência, que nem sempre a escola ensina, mas que acaba caindo em todos os vestibulares da vida.


29 de janeiro de 2011 | N° 16595
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Janus, um símbolo para o tradicionalismo

Janus, um deus romano que dá nome ao primeiro mês do ano, é também um abridor e fechador de portas. Ele tem duas faces: uma olha para trás e outra olha para frente.

Não vejo símbolo melhor para o tradicionalismo gaúcho que a imagem de Janus, porque nós, os homens de bota e de bombacha, somos bem assim. Jamais deixamos de olhar o passado e aprender com os feitos de nossos grandes. E jamais deixamos de olhar para o futuro, a fim de evitar erros cometidos no passado.

Vejo nessa vocação “janística” do tradicionalismo algo muito importante e que nos permite fácil defesa contra a acusação que seguidamente nos fazem de retrógrados, de viver num mundo que só existe no passado, como se fôssemos nefelibatas ou esquizofrênicos vivendo num mundo irreal, num mundo que existiu mas não existe mais – uma espécie de loucos pacíficos, inofensivos.

Não é nada disso. Se querem um símbolo para nós, peguem Janus, uma divindade tão importante em Roma que teve templos em sua honra.

Dentro dessa visão janística, é muito importante salientar que, no folclore e na literatura, a tradição gaúcha já aparecia com força quando o gaúcho ainda não era aceito e respeitado – o que só vai acontecer a partir da Guerra dos Farrapos. Haja visto que bem na metade do século 19 surge o trabalho de Pereira Coruja sobre vocábulos e frases usados na então Província do Rio Grande do Sul.

Era importante frisar, deixar provado que aqui no extremo sul no mapa do Brasil vivia um tipo humano com características próprias: expressões próprias do linguajar, formas de vestir, de trabalhar, de comer, de se divertir...

Viajantes que vieram para cá, que se transformaram em cronistas de costumes muitas vezes sem falar o português que falamos, todos se impressionaram com o nosso jeito de ser, com a nossa característica maior de olhar para trás e para frente ao mesmo tempo.

Talvez por isso seja uma característica imutável nos vetustos casarões das estâncias tradicionais os retratos dos avós, conforme o belíssimo poema Herança, de Apparício Silva Rillo, que o charrua João Rodrigues declama de maneira impecável: “Naqueles tempos, sim, naqueles tempos”. Na realidade não é um poema, mas uma aula de sociologia.

É Janus olhando para trás enquanto a face do século 19 olha para frente: “Por isso um berro de boi nos toca tanto / e tão profundamente. / Por isso somos guardiões de casas velhas, / almas de sesmarias e de estâncias, / paredes que suportam seus retratos.”


29 de janeiro de 2011 | N° 16595
PAULO SANT’ANA


A dor de garganta

Naquela vez em que desmaiei na barbearia, faz 60 dias, me mandaram para o Pronto Socorro.

Pedi que fosse até o HPS o Dr. Matias Kronfeld, meu assessor para assuntos médicos.

De lá do HPS me transferiram para o Hospital Moinhos de Vento, onde já se encontrava à minha espera, desta vez por acaso, outro guardião da minha saúde, Dr. Jorge Gross.

Cheio das cautelas próprias de um clínico e endocrinologista, Jorge Gross me obrigou a que me submetesse a uma ressonância magnética, com contraste, com a finalidade de averiguar se meu colapso (desmaio) na cadeira do barbeiro não tinha se originado em uma isquemia cerebral, que foi afinal o que levou o nosso querido Moacyr Scliar a esse impasse em que se encontra no Clínicas, de onde se Deus quiser ele sairá airosamente.

Quando ouvi que a ressonância magnética seria com contraste, me pus em pé de guerra: “De jeito nenhum. Com contraste eu não faço. Jamais”, gritei para que todos os atendentes e médicos que me cercavam ouvissem.

É que tenho horror a injeção na veia (por onde passa o contraste).

Depois de muito tentarem me convencer ao contraste e me assustarem o suficiente, cedi, mas da seguinte maneira: me sedariam e fariam o que quisessem da minha veia, eu não estaria nem aí.

Foi assim que me entubaram por um simples desmaio na cadeira do barbeiro.

Fui entubado, submetido à carniçaria da veia invadida por uma agulha, por ali passava um tubo, ou sei lá o que, que inoculava o contraste no meu sangue.

Tudo bem, não havia isquemia na ressonância magnética. O Dr. Gross deve ter ficado satisfeito com a judiaria que me fizeram, ele que é cioso do princípio de que, se for para o bem ou salvação do paciente, não importa que ele sofra um pouco, se não há outro caminho a seguir.

O Dr. Matias Kronfeld assistia a toda essa performance ritualística com aquela sua bonomia proverbial.

Eis que, dias passados, depois de não ter sido diagnosticado o meu desmaio, o sexto que já tive depois que descobriram em mim o diabetes, há 14 anos, queixei-me a Kronfeld de uma dor de garganta insistente.

Só fomos descobrir que a dor de garganta era advinda da minha entubação (trauma na epiglote) depois de eu ter ingerido em 15 dias 30 comprimidos de poderosos antibióticos.

Assim é que até hoje ainda não cessou minha dor de garganta, faz 60 dias. Não há o que fazer, disse o Dr. Nédio Steffen, autor da minha laringoscopia que constatou o trauma, tenho só que esperar, o tempo fará cessar a dor.

Ah, o tempo, esse carrasco que parece irá me perseguir até o fim dos tempos!

E engraçado é que dor de garganta só dá quando se engole. E, como é impossível sobreviver sem engolir, eis a dor.

Enquanto isso, os leitores vão ter de me engolir.


29 de janeiro de 2011 | N° 16595
CLÁUDIA LAITANO


O melhor banho da temporada

Memórias de infância parecem aleatórias, desconexas, mas são tudo menos isso. O que nos faz guardar uma determinada cena, entre outras tantas possíveis, fala mais sobre nós do que a lembrança em si. As memórias que permanecem, por mais banais que pareçam, constroem uma narrativa, um romance – que é aquele da nossa vida recontada e reordenada.

Algumas lembranças, as que servem melhor a esse propósito, parecem feitas de uma matéria mais permanente do que todas as outras.

Houve uma vez um banho de mar, de um verão qualquer do início dos anos 70, que sobreviveu intacto na minha memória em meio a uma nebulosa de experiências parecidas que não mereceram a distinção da permanência. Por que esse e não outro? Provavelmente porque desse eu gosto de lembrar.

As famílias mudaram muito nesses anos todos, e uma das coisas que mais mudaram foi a multiplicidade de formações e rotinas das famílias. Com mães que trabalham fora, casais que se separam e veem os filhos em dias combinados, novos casamentos e parentes multiplicados, as famílias se dão ao luxo de “customizar” seus hábitos muito mais do que se fazia antigamente.

Naquela época, a rotina caía bem, tanto na cidade quanto na praia. De modo que se reproduzia nas férias uma versão um pouco mais relaxada da ordem doméstica. Como se algum fiscal de costumes fosse checar se estávamos mesmo almoçando e jantando na hora certa, mesmo sem compromisso nenhum com o relógio para cumprir. Bom, pelo menos lá em casa era assim.

Chegávamos cedo na praia, antes das 10h, e saíamos pouco depois do meio-dia, para almoçar em casa. Depois do almoço, picolé, soneca, bicicleta. Ninguém ia à praia à tarde, por mais quente que estivesse – o que não fazia sentido, mas ninguém parecia notar.

À noite, jogo de carta, melancia, mosquitos – e se o bombril na antena funcionasse, um pouco de novela também. Na sexta, meu pai chegava para passar o fim de semana. Era o pai que, a certa altura do veraneio, decretava o dia que deveria ser lembrado como “o melhor banho da temporada”.

A combinação perfeita entre temperatura da água, tamanho das ondas e ânimo coletivo da nação gerava essa pequena mitologia familiar: o dia de praia perfeito. Eu antecipava esse momento como algumas crianças antecipam a chegada do Papai Noel, a hora em que o pai, depois dos últimos mergulhos antes de voltar para casa, anunciava que, enfim, aquele havia sido o melhor banho de mar do ano. Por que aquele e não outro qualquer? Nunca me ocorreu questionar. O pai sempre acertava.

Meu banho de mar inesquecível, não por acaso, foi o “melhor banho da temporada” daquele ano. Não sei que idade eu teria: nem tão pequena a ponto de ficar apenas no raso, nem tão grande que pudesse ir sozinha no fundo. Depois de brincar na areia e torrar no sol sem protetor, vinha a hora de entrar no mar com o meu pai e a minha mãe. Um de cada lado me dando a mão, íamos até onde a prudência mandasse e eu conseguisse dar pé.

Naquele dia, fomos um pouco mais longe do que o normal, e uma onda que me pareceu gigantesca cobriu a minha cabeça e me fez ficar alguns segundos embaixo d’água, naquela mistura de medo e prazer que a sensação de estar sendo carregado pelo mar às vezes dá.

A onda passou, e a primeira coisa que vi quando voltei à tona foi meu pai e minha mãe me olhando, medindo o tamanho do meu susto, antecipando o choro talvez. Mas eu não chorei. Estava, sim, assustada, mas ao mesmo tempo segura como nunca tinha me sentido antes, com os dois apertando ainda mais forte as minhas mãos.

O mar podia ser imprevisível, cruel, traiçoeiro, mas eu não estava sozinha – e pela primeira vez dava o devido valor a isso.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011


Jaime Cimenti

Astrologia, astronomia, ora direis, estrelas, utopias e outros astrais

A Veja desta semana traz, como tema de capa, uma longa matéria-reportagem sobre astrologia e astronomia, demonstrando, entre outras coisas, que no horóscopo versão 2011 seu signo e você podem ter mudado.

Uma vez, lá pelos anos 1980, fui no Planetário da Ufrgs e, numa apresentação, restava demonstrado, por evidências científicas, que mais ou menos a cada 50 anos Terra, sol e lua mudam de posição e aí mudavam os signos. A astronomia questionava e derrubava a astrologia.

A matéria da Veja sobre o tema milenar já estava lá, trinta anos atrás. Sou aquariano, ao menos até dezembro de 2010, quando, pela matéria da Veja, me tornei capricorniano, com novas e boas características, espero. Certa vez li um livro inteiro sobre Aquário.

Algumas coisas acho que combinavam comigo e com os outros milhões de aquarianos, que devem ser bem diferentes de mim. Outras, nem tanto. Gostei das qualidades, desgostei dos defeitos do signo.

Procurei não me sugestionar demais e vi que o assunto era legal para tentar conquistar mulheres. Até certo tempo lia o horóscopo em jornais, livros e revistas, feito metade da população ansiosa pelo que vai acontecer nas próximas vinte e quatro horas.

Coluna social e horóscopo existem em quase tudo quanto é canto do mundo. Coluna social todo mundo lê. Horóscopo só metade. Publicidade garantida. Depois parei e me quedei a viver com a mágica, a fantasia, o divino, o diabólico, o compreensível e o incompreensível do cotidiano.

Evidente que ainda acredito em astros, fadas, duendes, destino, acaso, astrologia, astronomia, ciência, fé e em coisas e objetos que nem sei bem o que são. Claro que boto fé na dúvida e até duvido da fé de vez em quando. Quando eu não acreditar em mais nada, me internem ou me enterrem. Menos. Ao fim e ao cabo, no fim deve dar tudo certo.

Se não deu é porque não chegou no fim. De mais a mais, sabem mais os poetas, como o Mario Quintana que, ao falar em Utopias, decretou poeticamente: Se as coisas são inatingíveis - ora! / não é motivo para que deixar de querê-las / Que tristes os caminhos, se não fosse / a mágica presença das estrelas. Ou, Olavo Bilac, que não perdeu o senso e para quem só quem ama pode ter ouvido e entendido as estrelas.

É isso, acreditem, desacreditem, acreditem, duvidem e tenham fé. Leiam as estrelas. Sigam vivendo e perguntando. Saber exatamente a pergunta e a resposta final seria muito chato, muito finito, muito pouquinho para esta vida.
Mistério, romance, suspense e o maior manuscrito medieval

A Bíblia do Diabo, romance histórico do escritor alemão Richard Dübell, trata, fundamentalmente, do Codex Gigas (Livro Gigante), o maior manuscrito medieval que se tem notícia no mundo, com 90cm de comprimento e 75kg.

Como em seu conteúdo há uma ilustração do demônio, a obra tornou-se conhecida como A Bíblia do Diabo, na qual homens da Igreja e alquimistas procuravam a iluminação - ou o caminho para as trevas.

O livro de Richard Dübell já vendeu cem mil cópias na Alemanha e ele, nascido em 1962, depois da estreia literária de sucesso com os dois primeiros romances Der Tuchhändler (O mercador de tecidos) e Der Jahrtausandkaiser (O Imperador do Milênio), publicou Eine Messe für die Medici (Uma missa para os Médici), que lhe proporcionou a primeira entrada na lista dos mais vendidos.

Diz-se, ao longo dos séculos, que A Bíblia do Diabo teria sido escrita em apenas uma noite e que traria poder a quem conseguisse tocar o manuscrito.

Ainda hoje circulam especulações sobre sua autoria e sua origem e não estão claros os motivos para sua elaboração.

O fascínio pelo manuscrito deu início ao romance de Dübell, que envolve personagens fictícios e nomes históricos como o Cardeal Cervantes de Gaete ( Arcebispo de Tarragona), Melchior Khlesl (bispo de Wiener Neustadt e de Viena), o Papa Clemente VIII, John Dee e Edward Kelley (alquimistas ingleses e astrólogos da corte do Imperador Rodolfo II), entre outros.

Num convento semidestruído na cidade de Boêmia, em 1572, Andrej, aos oito anos, é testemunha de um terrível banho de sangue: dez pessoas, entre elas seus pais, são assassinadas.

Ele consegue fugir, levando o Codex Gigas, um dos segredos mais bem guardados pela Igreja, que uma secreta sociedade dos monges quer proteger a todo custo.

O convento abriga o documento que custou a vida de três papas e parece ter o poder de anunciar o fim do mundo. Sete monges negros vigiam o grande manuscrito e matam todos aqueles que sabem demais a respeito dele.

Anos depois do massacre, um grupo de altos religiosos da Igreja Católica envia um padre à corte do Imperador Rodolfo, para encontrar o exemplar original da Bíblia do Diabo.

O padre Xavier vai utilizar contatos, manipular, enfim, fazer de tudo para cumprir sua missão.

Como se vê, uma história e um livro fora do comum. Editora Planeta, 512 páginas, R$ 49,90, www.editoraplaneta.com.br.


28 de janeiro de 2011 | N° 16594
MOISÉS MENDES | MOISÉS MENDES(Interino)


O drible do Chico Buarque

Quem são os 10 maiores mitos gaúchos? Meu amigo Hamilton Almeida diz que abriria a mitologia gaúcha com o padre Landell de Moura. Foi Landell, não Marconi, quem inventou o rádio. Hamilton é o maior entendido em Landell. Dia desses, a partir do nome do padre, Hamilton e eu fizemos uma lista de gênios ou mentes brilhantes, que logo virou uma lista de mitos.

Mas somente caberiam 10 no ranking, nada mais, e só mortos. Ficou assim: Julio de Castilhos, Simões Lopes Neto, Landell, Getúlio, Erico, Quintana, Elis, Iberê, Raymundo Faoro e Brizola. E onde entram Sepé? E o Prestes? E o Tesourinha?

É difícil fazer listas. O mais difícil é confrontar-se com o mito, ficar diante de humanidades assustadoras. Hamilton persegue os rastros de Landell há anos e um dia ficou sabendo por um pároco que aquele foi um homem com um vasto lado sombrio.

Que sombras encobriam o que não se sabe do padre? Hamilton quer saber. Alguns religiosos não gostam muito do gênio. Ao invés de rezar sem parar, Landell teria se ocupado por muito tempo com a invenção de coisas que Deus não havia inventado. Agora, imagine se Hamilton pudesse ficar diante de Landell?

Imagine-se você diante de Getúlio, observando como o velho falava com as mãos e com baforadas de charuto. Imagine-se diante de uma Elis mordaz, desaforada, metralhando palavrões. Um mito é avassalador. Pode engolir você ou pode se esboroar a sua frente, dependendo da imagem que se tem dele. O David Coimbra, por exemplo, viu o Chico Buarque se esfarelar, e com uma bola no pé.

Vou contar. No inverno de 2007, David passou uma semana anunciando aqui na Zero que jogaria bola com Chico. Comprou tênis novo, atou uma bandana branca na cabeça e foi jogar. Ele e o Roger Lerina participaram da pelada com Chico em Porto Alegre. Pensei em avisar, mas não queria parecer um tio conspirando contra aquela genuína alegria adolescente: meninos, esse é um jeito arriscado de tietar.

No outro dia, dava pena de ver. O semblante de David era pior do que a cara do Paulo Odone depois de perder o Ronaldinho e o Jonas. Chico voltou para o Rio levando as ilusões do David. Não porque o cronista percebera que o cara tem joelhos pontudos e uma barriguinha de ovo. Porque descobrira que Chico é cerebral, métrico, esquemático como um soneto. Chico saiu do jogo (sem dar um drible em David, que era o que David queria), abaixou as meias e foi embora. Não tomou chope com a turma na Cidade Baixa. Não disse nem: valeu, David.

É temerário almejar a intimidade de mitos. David caiu na armadilha de ir assoviando ao encontro do desencanto. Eu, em missão profissional, já vi caspas nos ombros de gurus, ídolos e deuses (dos outros). Mas nunca jogaria bola com Chico. Poderia até jogar truco com o Teixeirinha, mas nada de peladas com um mito vivo. Com um morto, talvez, se fosse o Garrincha.

O Teixeirinha foi incluído na lista, na última hora, pelo colega Henrique Erni Gräwer. Nilson Souza incluiu Jayme Caetano Braun. Faça a sua lista, mas não pense só nos políticos. Ainda tem Alceu Wamosy, Barbosa Lessa, Gilda Marinho, Palmira Gobbi...


28 de janeiro de 2011 | N° 16594
PAULO SANT’ANA


O grande líder

Escrevo esta coluna arriscando que os leitores adivinhem de quem estou falando, por ser ele tão próximo de nós.

O líder de uma grande organização tem de desdenhar das fofocas e ser tolerante com os fatos verossímeis ou verdadeiros que atinjam seus liderados.

Tem de ouvir e fazer crer aos seus interlocutores que está guardando na memória o que está ouvindo e transmitir a impressão de que aquilo que está ouvindo redundará em providências.

O grande líder de uma organização tem de se interessar fortemente por tudo o que façam os seus liderados mais salientes e os seus liderados mais humildes.

O grande líder de uma grande organização tem de incutir em seus liderados a ideia de que a sua devoção sobre os propósitos do grupo há que ser por osmose transmitida a todos, de tal forma que os liderados se tornem convictos da paixão com que ele, líder, lida com os negócios e com as relações com seus liderados.

O grande líder de uma organização deixa que seus liderados sintam que a necessidade que a organização tem de seus clientes é do mesmo tamanho da necessidade que a organização tem de seus funcionários.

O líder tem de imprimir em seus liderados a crença de que ele é seguro, de que eles se sentem de tal forma seguros com essa liderança que nem de leve passa por suas cabeças que não são imprescindíveis e podem algum dia vir a ser dispensados.

Quando por acaso o líder dispensar a um ou alguns de seus liderados uma atenção especial, os outros todos irão ficar convictos de que aquele tratamento é merecido e devem passar então a esforçar-se por ter do líder tratamento igual.

O grande líder tem de periodicamente praticar incertas de atenção com seus liderados. Quando cada um deles menos esperar, deve receber um telefonema do líder ou uma visita ao seu setor de trabalho, que trate dos interesses da empresa e da forma mais talhada de defendê-los ou exercitá-los.

O exato, preciso, providencial grande líder tem, principalmente, de policiar-se para sempre estar de bom humor, não pode ter achaques diante de seus liderados, tem de sorrir sempre. A cada preocupação ou trabalho ingente, deve provir dele um sorriso e palavras bem-humoradas.

O grande líder precisa demonstrar que está sempre otimista, mesmo quando haja motivo para assim não se revelar.

E, finalmente, o grande líder tem de sempre ter em mente que um dia será sucedido e que é crível e até esperável que venha a sê-lo por um daqueles que agora lidera.

O grande líder é aquele que sabe licenciar seus liderados para sonharem.

E sempre o grande líder tem de se cercar de sonhadores.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011



27 de janeiro de 2011 | N° 16593
ARTIGOS


Memória, por Jarbas Milititsky*

Por que a comunidade judaica faz questão de registrar de forma permanente e continuada as datas e a memória do Holocausto?

Poderia parecer que estamos advogando em causa própria, tentando sensibilizar o mundo a ter uma maior simpatia por um povo que sofreu perseguições durante mais de 2 mil anos. A resposta é bem mais abrangente.

São inegáveis as marcas indeléveis que este terrível episódio deixou na história moderna. É difícil compreender como, em pleno século 20, no continente considerado como o centro da civilização ocidental moderna, foram perpetrados tais crimes como política de Estado. Um terço da população judaica mundial foi exterminado num período de cinco anos.

Outra parte desta fração sobreviveu, mas assistiu ao massacre, foi desumanizada, exposta à tortura física e psicológica. O resto do mundo calou. Não somente judeus foram objeto da política de extermínio: portadores de deficiências, ciganos, homossexuais e outras minorias também foram incluídos como objeto da “solução final”.

Numa população atual de 13 milhões de almas, praticamente todo judeu que vive hoje tem em sua genealogia alguém atingido pela fúria nazista.

O que fazemos questão de salientar é a necessidade de reflexão de como é possível que numa sociedade moderna, liberal e dita civilizada, haja espaço para ideologias que se constituem em política de Estado que promovam a ideia de condenar à morte seres humanos, simplesmente pelo fato de eles pertencerem a uma minoria com traços culturais ou étnicos diferenciados.

Como o mundo permaneceu calado frente à perseguição e ao genocídio de judeus, negros, ciganos, homossexuais entre outros grupos da sociedade?

Temos o dever de não nos calar novamente. Quando tratamos do Holocausto queremos lembrar a todas as pessoas que somos responsáveis uns pelos outros, independentemente de cor, opção religiosa ou sexual e status social. Relembrar as vítimas dessa tragédia é negar veementemente a xenofobia e a intolerância, onde quer que ela se encontre, e contra qualquer grupo de seres humanos, para que este tipo de tragédia nunca mais volte a acontecer.

*Presidente da Federação Israelita-RS


27 de janeiro de 2011 | N° 16593
CLAUDIA TAJES


Remissão

E-mails com power points, daqueles com frases de efeito e fotos de rosas vermelhas. E-mails com textos que não são do Luis Fernando Verissimo, da Martha Medeiros e da Lya Luft, mas cuja autoria se atribui a eles. E-mails com opiniões que a gente não compartilha. E-mail para entupir a caixa postal é o que não falta.

Mas nada se compara em inconveniência, na minha opinião de consumidora, aos e-mails de empresas com promoções-relâmpago, ofertas imperdíveis e bônus para quem se inscreveu em determinada lista. Ainda que a inscrição jamais tenha sido feita.

Detesto o e-mail marketing, espécie de mala-direta que tenta vender de tudo na internet. Na agência de propaganda em que trabalhei por muitos anos, eu mesma tinha a tarefa de escrever uns quatro e-mails marketing por semana. Agora, sofro o castigo pela irritação que causei aos outros no desempenho da minha missão recebendo incontáveis e-mails marketing por dia.

Operadoras de celular têm para mim benefícios únicos. Agências de emprego me tentam com vagas, inclusive de CEO em conglomerados de engenharia. Companhias aéreas querem que eu voe já. Organizações humanitárias prometem aumentar meu pênis. Nos últimos tempos, sou destinatária de uma educada e insistente proposta para me cremar em 24 vezes sem juros. Vantajoso, mas meio precipitado.

A suprema crueldade do e-mail marketing é a frase em letras miúdas no final do texto: se você não deseja mais receber nossos e-mails, clique aqui. Eu sempre clico, mas os e-mails não param. Aposto que, no outro lado, fica um funcionário sádico rindo da cara de quem tenta sair da lista.

Qual a solução? Não há solução. As listas de endereços são repassadas por empresas especializadas em montar cadastros (ou mailing, como se diz em português) de clientes que combinam com os produtos e serviços oferecidos. Portanto, quando um e-mail marketing cai na sua caixa de entrada é porque você é um alvo perfeito. Isso é o que me deixa mais triste quando chega o e-mail para aumentar o meu pênis.

Pensando bem, existe um final. É só clicar no plano para me cremar em 24 vezes.

Na próxima segunda, dia 31, Nei Lisboa encerra a temporada de verão do show Vapor da Estação com duas sessões, às 19h e às 21h, no Teatro Renascença. Um trem que ninguém pode perder.


27 de janeiro de 2011 | N° 16593
PAULO SANT’ANA


Faltaram muitos

Choveram e-mails protestando por não ter eu arrolado na minha lista de ontem muitos itens alimentares que são vendidos na cidade.

Dizem que esqueci o melhor coração de galinha, o melhor pão com alho, o melhor sorvete da cidade, melhor polenta mole, melhor polenta frita, melhor massa caseira, melhor arroz com galinha (molhadinho), melhor carreteiro, melhor sagu, melhor papo de anjo, melhor risoto de frutos do mar, melhor sushi, melhor salada da cidade, melhor lombinho de cordeiro

nisto ninguém bate a Churrascaria Porto Alegrense da Avenida Pará), melhor churrasquinho de gato (note-se o Miau da Cabral), melhor ovos-moles, melhor telentrega (que inevitavelmente será o Totosinho), melhor pastel-de-santa-clara, melhor filé, melhores batatas fritas, enfim, uma série de delícias que são vendidas em Porto Alegre em restaurantes e bares conhecidos e outros menos nomeados.

Se eu pudesse, faria justiça a todos.

Marcelo Danéris, secretário do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, manda uma razoável explicação para a coluna sobre o fato de que dos 80 integrantes do Conselhão apenas seis são mulheres.

Ele arrazoa que o Conselho é representado por diferentes lideranças e segmentos da sociedade gaúcha, o empresarial, de trabalhadores, ONGs, sindicatos, cooperativas e movimentos sociais.

Ele diz que “infelizmente” essas organizações são dirigidas em sua grande maioria por homens, vivemos numa sociedade marcada pela presença preponderante de homens nos cargos diretivos. Daí que o Conselhão foi obrigado a seguir essa tendência, apesar da marcha ascensional das mulheres no meio social.

Boa a explicação.


27 de janeiro de 2011 | N° 16593
L. F. VERISSIMO


Remissão

Uma única catedral gótica ou uma única cantata de Bach redimem a religião de todos os seus males. Ou não. Você pode atribuir a beleza da igreja e da música à devoção religiosa e perdoar as barbaridades que a mesma devoção inspirou através da História, ou concluir que uma coisa não determinou a outra – Bach seria Bach mesmo sem a devoção – e apenas se admirar de que tenham sido simultâneas.

Escolha: a arte religiosa se nutriu da violenta história do cristianismo ou floresceu apesar dos seus conflitos, para compensar a violência? Pode-se até imaginar uma tabela de remissões. Quantos anos de obscurantismo e fanatismo da Igreja são absolvidos pela Pietá do Michelangelo, por exemplo? Só o Réquiem do Mozart basta para desculpar a Inquisição?

Tudo depende do olhar. Há quem olhe as pirâmides do Egito e veja um fenômeno arquitetônico e um triunfo do empreendimento humano. Outros só veem o sofrimento dos escravos pela maior glória de senhores insensíveis. Há quem olhe a fachada de uma catedral antiga e sinta seu espírito se enlevar, há quem veja na sua imponência apenas uma declaração de poder.

No seu livro Cultura e Imperialismo, o crítico Edward Said escreveu sobre a relação, às vezes inconsciente, do romance europeu com o colonialismo a partir do século 19. Seu exemplo mais comentado é um estudo sobre Mansfield Park, de Jane Austen, em que ele ressalta a importância para a vida na mansão descrita pela autora, que dá título ao livro, de uma plantação no Caribe.

Em nenhum momento do livro de Austen é sugerido que a família seja cúmplice do imperialismo, e muito menos que seu estilo de vida dependa de escravos, mas a tese de Said é que em boa parte da literatura feita na Europa na época – inclusive singelas histórias de donzelas pastorais vivendo o drama de arranjar marido – esta interdependência está implícita. Depende do olhar de quem a lê.

Como no caso de catedrais e cantatas, a literatura produzida na Inglaterra e na França principalmente (e Portugal e Espanha, já que estamos falando de colonizadores) redime ou não redime o crime, neste caso da conquista imperial.

Vendo uma mansão inglesa em meio a um idílico parque de grama perfeita, você pensa em Jane Austen ou pensa nos escravos? Escolha: a arte religiosa se nutriu da violenta história do cristianismo ou floresceu apesar dos seus conflitos, para compensar a violência?

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011



26 de janeiro de 2011 | N° 16592
MARTHA MEDEIROS


Depois se vê

Chuva. Nada mais ancestral. Muita água, pouca água, não importa: choverá. Em vários períodos do ano, mais forte, mais fraco: choverá. Em São Paulo, Minas, Rio, Florianópolis. E também na Alemanha, na Nova Zelândia, no Peru.

Choveu nos anos 40, chove em 2011, choverá em 2068. Passado, presente e futuro sob uma única nuvem. Só que o país do futuro não pensa no futuro. Somos totalmente refratários à prevenção.

Tudo o que nos acontece de ruim provoca uma chiadeira, vira escândalo nacional – mas depois. Ficamos estarrecidos, mas depois. O antes é um período de tempo que não existe. Investir dinheiro para evitar o que ainda não aconteceu nos soa como panaquice.

Se está tudo bem até as 14h30min desta quarta-feira, por que acreditar que às 14h31min tudo pode mudar? E então não se investe em hospitais até que alguém morra no corredor, não se policia uma rua até que duas adolescentes sejam estupradas, não se contrata salva-vidas até que meia dúzia morra afogada.

Somos os reis em tapar buracos, os bambambãs em varrer para debaixo do tapete, os retardatários de todas as corridas rumo ao desenvolvimento. Não prevemos nada. Adoramos os astrólogos, mas odiamos pesquisa. Consideramos estupidez gastar dinheiro com tragédias que ainda estão em perspectiva. Só o erro consolidado retém nossa atenção.

A gente se entope de açúcar, não usa fio dental e depois vai tratar a cárie, se sentindo privilegiado por poder pagar um dentista. A gente aplaude a arrogância dos filhos e depois vai pagar a fiança na delegacia. A gente fuma três maços por dia e depois processa a indústria tabagista. A gente corre na estrada a 140 km/h, ultrapassa em faixa contínua e depois suborna o guarda, na melhor das hipóteses. Ou então morre, ou mata – na pior delas.

A gente vota em corrupto, depois desdenha da política em mesa de bar. A gente joga lixo no cordão da calçada, depois se surpreende em ter a rua alagada. A gente se expõe em todas as redes sociais, depois esbraveja contra os que invadiram nossa privacidade.

Precisamos de transporte público de qualidade, mas só depois de sediar a Copa do Mundo. A sociedade reclama por profissionais mais gabaritados, mas ninguém investe em professores e em universidades.

E os donos de estabelecimentos comerciais só irão se dar conta de que estão perdendo dinheiro quando descobrirem os manés que contrataram para atender seus clientes. Treinamento antes, não. Se precisar mesmo, depois.

Precisamos mesmo. Só que antes.


26 de janeiro de 2011 | N° 16592
FÓRUM DE DAVOS


O mundo visto da montanha

Elite política, econômica e cultural se reúne a partir de hoje para debater um planeta que vive um cenário de transição

De um lado, alta de preços de matérias-primas que lembra o período anterior à crise de 2008. De outro, países afundados em dívidas provocadas justamente pelos esforços para sair do atoleiro financeiro global.

É um cenário em transição que a 41ª edição do Fórum Econômico Mundial projeta do alto da montanha de Davos (Suíça) a partir de hoje, onde se reúne a elite econômica, política e cultural do planeta, do qual só se participa devidamente convidado.

– As placas tectônicas ainda estão se deslocando, essa reacomodação gera incertezas. Em vez de um mundo multipolar, a perda de poder dos Estados Unidos está gerando um mundo apolar – avalia o ex-ministro da Economia Marcílio Marques Moreira.

O Brasil será representado por um trio de técnicos – o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, e os presidentes do Banco Central, Alexandre Tombini, e do BNDES, Luciano Coutinho. Um dos maiores interesses do Brasil é discutir câmbio e protecionismo – dois temas da reunião.

– Esse mundo novo é mais complexo e mais difícil de administrar. Há uma nova constelação de poder no mundo, que requer novos organismos e instituições – destaca o embaixador Roberto Abdenur, com experiência nos EUA e na Alemanha.

É sintomático que o tema da segurança alimentar, sempre levantado por países pobres, tenha precedido a abertura do fórum suscitada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, convidado a Davos. No comando do G-20, o francês propôs medidas para conter o preço das commodities, sob a alegação de que a alta contínua pode suscitar revoltas populares.

– É difícil que prospere essa espécie de Conab global proposta por Sarkozy, porque não interessa nem aos Estados Unidos nem ao Brasil, dois grandes produtores de matérias-primas agrícolas – avalia José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

MARTA SFREDO


26 de janeiro de 2011 | N° 16592
POLÊMICA NO ENSINO


A força da memória no aprendizado

A chamada decoreba, forma de aprendizado que privilegia a memória, nas últimas décadas foi relegada à condição de método ultrapassado e ineficaz em muitas escolas brasileiras.

Um estudo publicado semana passada na renomada revista Science, porém, sugere que exercícios de memorização são capazes de melhorar de maneira significativa o desempenho de estudantes. As conclusões geram controvérsia entre educadores.

Professor de Psicologia da universidade americana de Purdue, Jeffrey Karpicke selecionou 200 jovens universitários que estudaram textos científicos de duas formas diferentes (veja quadro na página ao lado).

Em uma delas, procurou simular a forma mais comum de ensino, inclusive no Brasil, em que os alunos leem algo e são estimulados a fazer elaborações sobre o conteúdo que acabaram de aprender. Por exemplo: consultando os livros, escrevem em uma folha quais consideram ser os tópicos mais importantes e como eles se relacionam.

A outra estratégia foi simplesmente ler os textos, então se afastar dos livros e tentar recuperar o máximo possível de informação apenas por meio da memória. Essa atividade, que hoje é mais comum em avaliações a fim de medir o quanto o aluno já aprendeu, revelou-se um poderoso estímulo ao desempenho. Aqueles que exercitaram a memória em vez de estudar com o texto à sua frente tiveram resultado 50% superior.

Outra surpresa é que a prática de memorização não só ajudou a fixar as informações objetivas dos textos, mas a responder questões que exigiam deduções mais complexas e cruzamento de informações.

O estudo oferece uma hipótese para o fenômeno: relembrar não seria apenas resgatar informações previamente arquivadas no cérebro, mas reconstruir o que foi armazenado, reorganizando o assunto e priorizando determinados tópicos. Esse trabalho mental aumentaria o nível de compreensão sobre o tema.

Do ponto de vista pedagógico, o estudo valoriza uma ferramenta que nas últimas décadas foi condenada por muitos educadores como simples “decoreba” ou “conteudismo”.

Dentro dessa tendência, mesmo avaliações oficiais como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) procuram exigir dos candidatos mais a capacidade de relacionar informações do que resgatar conhecimento por meio da memória.

Para o especialista em educação João Batista Oliveira, a pesquisa é um primeiro indício e deve ser referendada por outros experimentos semelhantes. Porém, acredita que a pedagogia atual, pouco afeita aos exercícios de memorização, carece ainda mais de sustentação científica.

– Estamos repetindo as mesmas fórmulas, sem pesquisa alguma. Não vejo contradição entre memorizar e relacionar conteúdos – avalia.

Para a educadora Esther Grossi, porém, exercícios de memória têm limites no processo educativo.

– Ninguém pode aprender a ler e a escrever por memorização, por exemplo. É preciso construir o que chamamos de um esquema de pensamento – contrapõe.

O próprio autor do trabalho, porém, considera que não há uma contradição obrigatória entre suas descobertas e os pilares teóricos de filosofias educacionais como o construtivismo – embora admita que a prática de memorização seja pouco utilizada como recurso pedagógico.

– É mais uma ferramenta – afirma Karpicke.

Entrevista - Jeffrey Karpicke, pesquisador americano

Professor de Psicologia da Universidade de Purdue, localizada em Indiana, nos Estados Unidos, Jeffrey Karpicke se dedica a investigar a relação entre memória e aprendizagem. Na semana passada, o artigo publicado na revista Science, uma das mais respeitadas no universo científico do planeta, despertou a atenção de educadores e pesquisadores sobre o assunto. Por e-mail, o especialista concedeu a seguinte entrevista a ZH:

Zero Hora – O que o senhor considera a descoberta mais importante do trabalho?

Jeffrey Karpicke – Nossa pesquisa mostra que adotar o sistema de recuperação pela memória produz efeitos poderosos sobre o aprendizado.

Zero Hora – No Brasil, como em outros países, nos últimos anos exercícios de memorização vêm caindo em desuso. Por que esse tipo de ensino adquiriu má reputação entre diferentes acadêmicos?

Jeffrey Karpicke – Acredito que a recuperação (da memória) não se opõe a uma abordagem construtivista da aprendizagem. Nós estamos mostrando que o processo de relembrar é importante para ajudar os estudantes a construir sólidas estruturas de conhecimento conceitual.

Zero Hora – Como tem sido a resposta por parte dos educadores desde a publicação do artigo na Science?

Jeffrey Karpicke – A resposta dos educadores tem sido muito positiva. Professores são comprometidos a ajudar os seus estudantes a aprender, e eles querem usar as melhores ferramentas disponíveis. A prática da recuperação da memória é uma dessas ferramentas disponíveis.


26 de janeiro de 2011 | N° 16592
PAULO SANT’ANA


Os melhores petiscos

Esta coluna resolveu conceder mérito a várias casas ligadas ao comércio de alimentos em nossa cidade.

E elegeu as melhores casas em seu ramo, aqui na Capital.

Lá vai a classificação desta coluna:

Melhor filé à parmegiana: Restaurante Schullas, Avenida Mariland.

Melhor nhoque com carne de panela: Restaurante Bah, BarraShoppingSul.

Melhor bolinho de bacalhau: Bar Tuim, Rua General Câmara.

Melhor bacalhau: Bacalhau do Porto, Rua Cel. Bordini.

Melhor mil-folhas: Press Café, Rua Hilário Ribeiro.

Melhor linguado: Restaurante Gambrinus, Mercado Público.

Melhor lombinho: Lombinho à la Paulo Sant’Ana, Restaurante Barranco.

Melhor risoto de camarão: Restaurante Pampulhinha, Avenida Benjamin Constant.

Melhor merengue duro: Restaurante Santo Antônio, Rua Félix da Cunha.

Melhor sanduíche de lombinho: Restaurante Prinz, Avenida Protásio Alves.

Melhor bauru: Lancheria Joe’s, Rua Ramiro Barcelos.

Melhor sobremesa: Creme caramelado, do Restaurante Bah.

Melhor pato: Pato à Bavária, no Restaurante Schullas.

Melhor pizza: Pizzaria Fornellone, Rua Nova York.

Melhor restaurante asiático: Koh Pee Pee.

Melhor entrecot acebolado: Parrilla Panchos, Avenida Protásio Alves.

Melhor galeto: Casa do Marquês, Rua Marquês do Pombal.

Antes que surjam centenas de reclamações, protestos e abjurações amaldiçoadas, em face do poder de comunicação desta coluna, afirmo que a lista acima opinada é da responsabilidade pessoal deste colunista e fruto exclusivo de sua preferência. É possível, mais que possível, que haja alimentos de igual ou superior qualidade e sabor que estes citados, em Porto Alegre.

Só que estes eleitos são os da preferência do colunista, que já saboreou todos eles.

Não vão querer que eu conheça todas as casas de pasto da cidade!

Calma, breve aqui, nesta mesma coluna, outra lista de outros locais qualificados.

O leitor reclamara por esta coluna que foi intentar uma ação no Juizado Especial de Novo Hamburgo e, como era sexta-feira de janeiro, as portas estavam fechadas.

O leitor disse que paga seus impostos em dia e nada justifica que o funcionalismo público tenha horário especial no verão.

E vem agora o desembargador Túlio Martins, da Comunicação Social do Tribunal de Justiça, justificar aquele órgão: declara que o horário especial de verão se dá porque a grande massa de funcionários do Judiciário tira férias em janeiro e fevereiro; acresceu que há mais de mil cargos não providos no Judiciário, o que se deve à falta de recursos e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Sendo assim, afirma o desembargador Túlio Martins, a Justiça não tem condições de atender rapidamente à grande demanda de ações.

Aduz, finalmente, que o leitor foi desrespeitado pela loja e pelo fabricante de lava-louças, que lhe entregaram o equipamento estragado. Mas que isso não lhe dá direito a descarregar sua frustração no Poder Judiciário, garantidor da cidadania.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


RUBEM ALVES

Onde está Deus?

Logo a televisão me salvou. Que máquina maravilhosa essa que, num momento mágico muda a realidade

EU ESTAVA AINDA NA CAMA gozando a deliciosa sensação de aconchego, oscilando entre a realidade e o sonho... Para entrar no mundo liguei a televisão.

Apareceram ante os meus olhos cenas surrealistas, de fim do mundo: tsunami nas montanhas, rostos cobertos de lama, lágrimas escorrendo nos rostos, as águas em fúria, o esforço impotente dos vivos na sua vã tentativa de encontrar as centenas de mortos, os esquifes não chegavam, as explicações das autoridades, a mulher que chorava tinha escrito na camiseta que vestia a afirmação confiante "sou feliz", quem está com Deus é feliz...

Comecei a me comover. Mas logo a televisão me salvou. Que máquina maravilhosa essa que, num momento mágico muda a realidade.

Esqueci-me do apocalipse que me assustara e vi-me transportado para um outro mundo. Nesse novo mundo todos usavam camisetas onde estava escrito a seguinte frase: "Sou feliz".

Tudo era festa! Homens falantes e confiantes, mulheres com longos cabelos sedosos, shoppings abarrotados com pessoas em busca da felicidade, proclamavam automóveis, fogões, liquidações sem juros, geladeiras, gerentes sorridentes oferecendo o dinheiro dos seus bancos. Até os pobres podem ser felizes! Agradeci a minha felicidade.

Mas o mais importante: moro num apartamento no 11º andar, é muito alto e sólido, estou a salvo da fúria dos rios e das chuvas.

Lembrei-me então das palavras tranquilizantes da Bíblia, palavras de Deus, ditada por Ele desde toda a eternidade: "Mil cairão à sua direita e 10 mil à sua esquerda, mas nenhum mal o atingirá" (Salmo 91).

Conclusão lógica: nenhum mal estava me atingindo; logo, eu estava sob a proteção divina.

Os mortos, não. Não estavam deitados em verdes pastos sob a proteção do Pastor, como diz o salmo 23. Estavam enterrados sob a lama.

Logo, eles faziam parte dos mil à minha direita e dos 10 mil à minha esquerda. "Palavra do Senhor! Graças a Deus!"

Engenheiros e autoridades discutiam o que poderia ter sido feito para evitar a catástrofe. Homens ímpios: não mencionaram "rezar". Deus não poderia ter evitado tudo. Com a palavra os teólogos, o Papa, os templos cheios de fiéis...Deus é onisciente? É.

Sabe desde toda a eternidade o que aconteceu, o que acontece e o que acontecerá. Deus é onipresente? É.

Ele está em todos os lugares, na fundura dos rios, na fúria dos mares, nas erupções dos vulcões, nos navios que afundam, nas crianças que nascem, nos velhos que morrem. E Ele é onipotente? Sim.

Com um piscar de olhos Ele pode criar um universo. Com um piscar de olhos Ele abriu as águas do mar Vermelho. Com um piscar de olhos Ele ordenou o dilúvio. Com um piscar de olhos Ele poderia ter evitado tudo...

No dia seguinte ao ataque terrorista nas torres do World Trade Center, o jornal "The New York Times" publicou um editorial com o título: "Onde estava Deus quando isso aconteceu?" É a única coisa que tenho a dizer.

CARLOS HEITOR CONY

Fadiga de material

RIO DE JANEIRO - O homem se autoproclamou rei da criação. Nada contra: o homem é rei das pulgas e siris, que nunca chegaram à perfeição de fabricar videocassetes de quatro cabeças nem tesourinhas de unha.

Semana passada, jornais do mundo inteiro deram um alerta sobre o aquecimento global da Terra, explicando a recente sucessão de desastres naturais, terremotos, erupções vulcânicas, furacões, tornados e enchentes: a terra treme, título por sinal de um antigo filme italiano.

E a culpa de tudo, segundo os entendidos, é do homem que polui a camada de ozônio, massacra as florestas, envenena os rios, destrói as espécies. Evidente que tudo o que o homem faz, mais cedo ou mais tarde, pode se voltar contra ele. Mas, no caso dos desastres naturais, o que realmente conta é a fadiga do material.

Tudo o que foi criado um dia acaba ou se renova em outro acidente da própria criação. As estrelas morrem, muitas estão extintas há milhões de anos, mas sua luz ainda chega até nós. O Sol, que nos fornece energia, é uma estrela de quinta grandeza, um dia será consumido pelos próprios raios e rolará pelo espaço como um cadáver insepulto. E com ele, irão para o brejo todos os planetas que vivem em torno dele, independentemente de nossas usinas, carros e cigarros.

A extinção dos dinossauros é ponto pacífico da ciência, houve uma alteração no ambiente que tornou impossível a sobrevivência daqueles monstros -embora existam alguns por aí e às vezes eu próprio me considero sobrevivente daquela era.

Mas haverá um momento em que a vida, tal como a que conhecemos e usufruímos, não será possível no ambiente que está sendo criado, lentamente, com a ajuda ou sem a ajuda do homem, mas por força da matéria cada vez mais fatigada.