sábado, 29 de janeiro de 2011



30 de janeiro de 2011 | N° 16596
PAULO SANT’ANA


O meu medo covarde

Todas as noites, exatamente todas as noites, me encontro, em meu quarto, quando vou dormir, com meu medo.

Às vezes, quando meu medo contém ameaça mais grave, ele não me deixa dormir.

Quando a ameaça é menos grave, consigo com algum esforço conciliar-me com o sono.

Mas ali estou em meu quarto todas as noites encurralado pelo medo.

Já li em algum lugar que o medo é inseparável do homem. Eu queria apenas que ele não fosse permanente, que me assaltasse de quando em vez.

Mas meu medo não se despega de mim nunca, ronda todos os meus passos, dá ritmo para todos os meus movimentos, atrapalha o meu andar e os meus pensamentos.

Por onde vou e em todo o lugar que estou, acompanha-me este medo covarde.

Quando estou na rua ou no trabalho, este medo se atenua porque me distraio com as outras coisas com que tenho de tratar ou de pensar.

Mas, quando me recolho a meu quarto à noite, dá-se o inevitável embate entre mim e meu medo covarde.

Eu já por mim temo de que tenha de me recolher a meu quarto à noite. Lá estará me supliciando, me enredando, me dominando este medo temível e ameaçador.

Por vezes, o mesmo medo de alguma coisa terrível me persegue por vários meses. E vai me roendo, me consumindo, uma cruz cravada sobre o meu ser com todos os inenarráveis tormentos que provoca o medo.

Estou falando deste medo covarde que me algema os pulsos e acorrenta minhas pernas e estertora minhas ideias.

O medo que tenho desde rapazinho, ligado quase sempre à incerteza do futuro até o arrependimento do passado.

Queridos leitores e leitoras, nada mais estou fazendo por esta coluna que não seja alertá-los para os medos de vocês.

E por algum jeito queria dizer-lhes que é impossível viver sem medo.

Quem tem vida tem medo, quem tem sonhos tem medo, quem cobiça tem medo e maior medo ainda tem quem não possui ambição.

Mas o que mais dói, o que mais punge e o que mais devora é que estou convencido de que, nas núpcias sinistras que celebro há tantos anos com meu medo covarde, são elas para mim tão imprescindíveis e inadiáveis, que o medo integra o ar que oxigena meus pulmões, que eu só me mantenho ereto e vivo por este meu medo covarde e que, no final das contas, este meu medo é o único companheiro que me restou para todos os instantes, ele é que me arremessa para a coragem de viver.

E para a valentia de sobreviver.

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