quarta-feira, 19 de janeiro de 2011



19 de janeiro de 2011 | N° 16585
DIANA CORSO


Tornar-se pais

“Sente uma vergonha medonha de seu filho e prevê a vertigem do inferno em cada minuto subsequente de sua vida. Ninguém está preparado para um primeiro filho, ele tenta pensar, defensivo, ainda mais um filho assim, algo que ele simplesmente não consegue transformar em filho.”

O primogênito do escritor Cristóvão Tezza nasceu com síndrome de Down. Isso ocorreu quando ele ainda se sentia muito jovem. Viu-se frente a uma criança que encarnava a desesperança e tudo o que lhe desejou, naquele momento inaugural, foi a morte.

É preciso dizer que ambos cresceram: o recém chegado amadureceu ao seu pai, enquanto este enfrentou as dificuldades do filho e aprendeu a amá-lo, final feliz.

Mas essa não é uma história de superação de almanaque, senão não seria literatura.

O livro de Tezza, O Filho Eterno (Editora Record), é maior do que as desventuras de um pai conformando-se com as limitadas perspectivas do filho, é o relato da gênese de uma paternidade, pois ninguém nasce pai, torna-se tal, sempre num parto doloroso.

Quando nasceu minha primeira filha, fiquei algum tempo esperando que a “verdadeira mãe” daquela criança tão frágil aparecesse, afinal, A MÃE não podia ser eu, tão imatura e despreparada, apesar de ser uma adulta consumada.

Quanto ao pai dela, vivia espanto similar, já que o pai e a mãe sempre parecem entidades bem maiores do que os míseros atores que se candidatam ao papel. Se houvesse seleção para o cargo, ninguém passaria.

Queixamo-nos que os filhos nascem sem manual de instrução, que só ficamos prontos, sempre tarde demais, para a fase da vida deles que já se concluiu. Se não sabemos como funciona o filho, mais ignoramos como é ser pais. Manuais são inúteis, pois o difícil não é saber o que fazer, mas sim acreditar no protagonismo irreversível.

Não há retorno: pode-se ser um mau pai ou mãe, mas nunca se deixa de ser tal. Além disso, até que a parentalidade nos aconteça, costumamos sentir-nos jovens promessas, eternamente filhos. O filho eterno é o pai que não se resigna a crescer. Essas dificuldades são comuns a todos os nascimentos, mas se agravam quando no lugar do filho esperado chega alguém que não corresponde ao que se sonhou.

O desencontro entre o pai e sua cria, brilhantemente narrado por Tezza, é agravado pela intercorrência de uma deficiência, mas é comum a todos. Afinal, parafraseando Beauvoir, ninguém nasce em condições de ser pai ou mãe, o filho nos torna tais. Nestas férias, recomendo esse livro, acaba sendo um relato de esperança: de que nossa imaturidade eterna seja uma síndrome reversível.

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