sábado, 29 de janeiro de 2011



30 de janeiro de 2011 | N° 16596
MARTHA MEDEIROS


A vida antes da morte

Nada de errado em buscar conforto no espiritismo, mas acreditar numa única vida me parece mais desafiador

Assisti ao Além de Vida, de Clint Eastwood, e excetuando-se a impressionante cena inicial do tsunami, não me empolguei com o filme. Achei os diálogos fracos, o roteiro apático e as cenas de vidência do personagem de Matt Damon muito simplistas - o que, de certa forma, é mais honesto do que recorrer à teatralidade geralmente conferida às sessões espíritas. Mas o fato é que o simplismo reduziu o médium a um garoto de recados.

Respeito profundamente quem se dedica, da forma que for, a estudar, investigar e crer na vida após a morte. Nunca vivi a experiência de ter contato com alguém que já se foi, então reconheço que estou descredibilizada para opinar se ela existe ou não existe, mas nada me impede de levantar uma questão: que diferença faz?

Quando a alma de um falecido se comunica através de atos (no caso do filme de Eastwood, retirando o boné da cabeça do menino Marcus na estação de metrô) ou em palavras (como nas sessões em que um espírito baixa e pede desculpas pelos erros passados), isso sugere que alguém que não vive mais neste plano pode nos proteger ou então ajudar a reconstruir nossa vida.

Os anjos podem orquestrar pequenos incidentes a fim de facilitar nosso caminho aqui na terra ou podem entrar em contato para nos livrar de alguma culpa e serenizar nosso coração avisando que estão bem e que um dia nos reencontraremos.

Então, faz alguma diferença, concordo. Mas não a ponto de gerar apatia, de fazer com que se fique no modo de espera. Há quem acredite mais na vida após a morte do que na vida antes da morte, esta aqui, onde erramos e acertamos. Esta, onde na maioria das vezes nossos anjos estão cochilando e nos deixam à deriva.

Nesta vida presente, onde devemos aprender a lidar com nossas carências e a confiar mais no dia de amanhã do que na longínqua eternidade. Aqui, onde amamos e somos amados, onde devemos praticar o perdão e acertar nossas contas olho no olho, sem transferir dívidas para o além.

Nada de errado em buscar conforto no espiritismo - milhões o fazem - mas acreditar numa única vida me parece mais desafiador, exige mais responsabilidade de nós. Por mim, não precisaria haver nada depois da morte.

Prefiro os pontos finais às reticências. Confissões, declarações, revelações, tudo me parece mais eficiente para nosso sossego quando praticado aqui e agora. Se eu tenho um anjo a olhar por mim, tanto melhor, mas não muda o meu comprometimento com meus atos e minhas escolhas.

Não me agrada a ideia de continuar existindo ininterruptamente, e tampouco as pessoas que eu amo. E o descanse em paz, onde fica? Apagar a luz e dormir. Zzzzzzzzzzz. Essa é a única eternidade que me seduz.

Mas não agora, anjo.

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