terça-feira, 18 de janeiro de 2011


JAIRO MARQUES

O fim dos porteiros e da gentileza

Os funcionários do prédio podem me auxiliar sem prejuízo a ninguém para ter esse "bem-estar"

UM CONDOMÍNIO de Juiz de Fora (MG) proibiu, depois de uma assembleia, que os porteiros ajudassem uma moradora cadeirante a subir uma rampa íngreme que liga o estacionamento, no subsolo, até a entrada do prédio. Alegaram, em resumo, que é privilégio demais para apenas uma pessoa, além de questões de segurança.

Se a moda pegar e a Justiça permitir, em breve, também estarei em um mato sem cachorro. Quando chego em casa e paro a Kombi no estacionamento, logo vem o Carlos ou o Ivanildo me dar um apoio para vencer um "subidão" até o hall. Demoram menos de um minuto, cronometrado, para dar uma mãozinha.

Penso que, se o lugar onde moro não possui condições para que o meu deslocamento seja feito de forma tranquila e independente, os funcionários do prédio podem me auxiliar sem prejuízo a ninguém para ter esse "bem-estar".

Entendo, "di certeza", que cada vez mais os condomínios são alvos de ataque de bandidos, mas achava que isso era uma questão de segurança pública, obrigação do Estado, e não que porteiros seriam agora "Rambos" destinados à proteção comum.

Fico imaginando se os meninos da portaria lá do "condomínio da proibição" ficarão privados de ir ao banheiro, afinal, um desarranjo intestinal pode roubar muito tempo. O porteiro que faça nas calças, que segure o pensamento?

E também não vão poder sair da guarita para assoprar o dodói do encapetado moleque do 21 que se ralou no playground. E nem pensar em ficar dizendo para a criança "calma, não foi nada, sua mãe já vem". Seria puro privilégio do infante e roubaria tempo.

Seu Rosevaldo, do 47, que arrebente as veias do pescoço para carregar aquela sacola pesada da volta da feira. Ninguém está autorizado a ser gentil com ninguém no prédio. É a lei do "se vira que você não é caju".

E, como diz minha tia Filinha, "difinitivamente" não pode pedir ao porteiro para receber aquele primo que vem de Caxambu e vai chegar bem na hora em que você está trabalhando. Nada que não seja apertar o botão de destravar o portão, ficar zarolho de tanto mirar monitores de segurança ou vigiar os carros no estacionamento é permitido.

Cada vez mais, os condomínios estão se transformando em empresas e impondo aos moradores a mesma lógica das firmas: apresente seu crachá na entrada, cuidado que há câmeras de vigilância olhando sua mesa... de jantar, é proibido falar alto, não é permitido ter cachorros, não traga pessoas estranhas, separe o lixo, cumpra todas as metas, não olhe para os lados!

A necessidade de aperfeiçoar a proteção dos condomínios não pode garfar o prazer de chegar ao aconchego do lar para quem quer que seja. Para alguns, é preciso uma mãozinha na rampa, para outros, um favorzinho de abrir a porta. Isso não é dar mais direitos a um do que a outro, isso é agir com gentileza, é a evolução do bicho para o ser humano.

Torço muito para que os moradores lá do "condomínio da proibição" tenham vivido apenas uma histeria coletiva quando aprovaram uma medida alegada para o bem de todos, mas que, na realidade, asfixia a gentileza, humilha os direitos individuais e ignora a dimensão da importância de um porteiro. E até a próxima assembleia.

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