quinta-feira, 13 de janeiro de 2011



13 de janeiro de 2011 | N° 16579
DAVID COIMBRA


SOB O GUARDA SOL

Dia de chuva, dia de reflexão

Você sabe que se tornou um autêntico praiano quando acorda de manhã, abre a janela de par em par, olha para a chuva que se precipita e para o céu cinzento, sem réstia de azul, e comenta:

– Hoje não vai dar praia.

Foi essa a primeira frase da minha quarta-feira, o primeiro dia de 2011 do qual se pode dizer que foi, de fato, um dia que amanheceu chuvoso na Orla.

Chovia e chovia sem parar, uma chuva firme, resoluta, dessas que dão a impressão de que cairão por três dias inteiros. Mas lá pelas 10h30min deu uma arrefecida, os pingos rarearam e, num minuto, não havia mais nenhum único deles ensopando as frestas entre os paralelepípedos de Atlântida.

Pensei que a pausa concedia a oportunidade de me dirigir às franjas do mar, logo ali adiante, e... filosofar.

Foi o que fiz.

Enfiei as mãos nos bolsos das bermudas e caminhei devagar, porém com resolução, rumo à areia molhada.

Entenda: o sol chamejante e o calor do verão não são propícios ao ensimesmamento, não beneficiam a reflexão. Ao contrário: sol, calor e praia, sal, sol, sul, Imcosul, clamam pela ação, pela gargalhada, lembram mulheres de pernas longas e biquínis curtos correndo pela areia como garças graciosas, amigos brindando com copos de cerveja dourada, gelada e espumante, bolas de futebol voando, ondas brancas quebrando. Isso é ser tropical. Isso é alegria.

Mas não é filosofia.

A filosofia pede ordem e reclusão. Pede frio e chuva. Não por acaso, os maiores filósofos do mundo foram alemães. Kant viveu toda a sua vida em Konigsberg e todo dia ele fazia tudo sempre igual. Às 15h, irrevogavelmente, saía de casa para dar sua caminhada. Nada o interrompia. Se estivesse chovendo, como choveu essa manhã no litoral, um criado corria atrás dele com um guarda-chuva armado, tentando impedir que se molhasse e pegasse um resfriado.

No trajeto, Kant não falava com ninguém porque dizia que um homem, para ter saúde, precisava respirar sempre pelo nariz, no ritmo da marcha. Era tão pontual que os vizinhos acertavam os relógios ao vê-lo passar. Até hoje a rua que percorria é chamada, na cidade, de “O Passeio do Filósofo”.

Outro grande, Schopenhauer viveu sempre sozinho em Frankfurt. Para aliviar a tensão sexual, volta e meia recorria ao sexo a soldo. Dizia amiúde: “A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais”. E odiava barulho. Costumava avaliar a inteligência de um homem pela sua tolerância ao ruído: quanto mais tolerância tivesse, mais estúpido seria.

Isso não é o oposto da vida praiana, com seus pagodes e carros com equipamentos de som de boate?

Logo, dias nublados e chuvosos são ideais para a filosofia. Com tal conceito em mente, dirigi-me ao mar. Supus que, admirando o oceano grandioso, só eu e o Atlântico, sem traço de ser humano nas imediações, eu perdido na vastidão da Natureza, contemplando o mar infinito, sentindo o poder dos elementos, supus que nessas condições algum pensamento elevado me viria à mente.

Que, no dia seguinte, brindaria os leitores com pelo menos uma reflexão profunda.

Por isso, finquei os pés nus na areia fria e pus-me a admirar o mar que ia e vinha, ia e vinha, ia e vinha, num roncar sereno vindo das profundezas da Mãe Terra.

Confesso que, naquele momento, nenhum pensamento filosófico me ocorreu. Cogitei, apenas, se o quiosque não abriria. Afinal, estava com vontade de comer pastel de camarão. Forcei um pouco mais as células cinzentas, mas agora meu cérebro rogava por caipirinha. Será que tinha vodca em casa? Tentei me concentrar na meditação. Medite, homem. Medite! Lembre-se de Kant. Schopenhauer. Mas aí as nuvens começaram a se afastar e alguns raios de sol já se alongavam na areia. Uma menina de biquíni preto passou correndo e gritando:

– Carol! Vamos para a água, Carol!

E Carol deslizou para o mar, leve como uma tatuíra.

O tempo se estabilizava, mais gente se aproximava da areia. Olhei para trás. Sorri, aliviado: o quiosque do pastel de camarão acabara de abrir. Fui lá. Parei, no balcão, ao lado de um sujeito que pedia milho verde.

– Acho que vai dar praia – comentei.

Definitivamente, me transformei em um praiano.

Vida praiana

Estava olhando para as minhas canelas. Há muito tempo não as via tanto assim, o dia inteiro, canelas desnudas, canelas ao vento, canelas expostas o dia inteiro, a noite inteira. Não sei se conseguirei cobrir de novo minhas canelas quando voltar para a canícula da cidade.



- Nome: Florencia Verdón

- Idade: 25 anos

- Cidade: Corrientes, Argentina

- Praia: Capão da Canoa

- Time: Boca Juniors

- Hobby: Música

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