sábado, 15 de janeiro de 2011



15 de janeiro de 2011 | N° 16581
PAULO SANT’ANA


Das alergias

Sobre as alergias: tenho dois amigos que são alérgicos.

O meu amigo rico é alérgico a todo e qualquer fruto do mar, não pode comer camarão, bacalhau, salmão, qualquer produto que venha do mar.

Meu amigo rico gosta muito é de feijão com arroz.

E tenho um amigo pobre, que engraxa meus sapatos, é incrível, mas ele é alérgico a feijão e arroz.

Meus dois amigos são infelizes.

Como é que meu amigo pobre vai comprar camarão e bacalhau?

Já eu sou alérgico a chatos, a joanetes de mulher, a filas, a bancos que não emprestam e a bancos que só tomam emprestado.

Sou alérgico a textos grandes, a interjeições, a entrevistadores que falam mais que os entrevistados e a rádios e televisões em que há mais comerciais do que programas.

Sou alérgico a fianças e a todas as garantias que me exigem.

Sou alérgico a mulheres que falam demais e a homens que falam de menos.

Sou alérgico a facas e a navalhas. Não posso nem vê-las.

Sou alérgico a cheiro de meias, carpins. Sou alérgico a perfumes caros e a perfumes baratos, só me assentam bem os perfumes de médio preço. Por exemplo, o Carolina Herrera.

Sou alérgico a discursos longos, a solenidades demoradas: esses dias, compareci a uma posse que durou exatamente duas horas e meia.

Sou alérgico a toda e qualquer formatura. Me enerva a entrega de diplomas que se arrasta pela tarde inteira.

Mas o pior é quando tenho de ir a uma formatura em Canoas, no verão. Isso é pior que ser terceiro colocado em Abu Dhabi.

Sou alérgico a esses motoristas que vêm atrás do meu carro pedindo passagem e acelerando o motor.

Mas também sou alérgico aos motoristas que vêm na frente do meu carro impedindo-me a passagem.

Não há maior tortura do que trafegar atrás quando o motorista que vai na frente da gente é um velho de boné. Que pavor!

Sou alérgico a nabo e a rabanete. Sou alérgico a radicci. Sou alérgico a água tônica e a cerveja preta.

Como também sou alérgico a cumprimento de mão. Evito-o sempre que dá, mas há casos em que se tornam inevitáveis.

Sou alérgico, finalmente, a esses motéis que cobram por hora de permanência. Eu fico sempre hesitando entre o livre curso do amor e o prazo fatal do horário, que, se for transposto, custará mais caro a estadia.

Assim como, nos motéis que cobram por diária, quando só gasto duas horas lá dentro, saio pensando que tinha mais horas livres de aumento do preço e, se não as ocupei por inteiro, é porque definitivamente eu já não sou mais aquele.

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