sábado, 29 de janeiro de 2011



29 de janeiro de 2011 | N° 16595
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Janus, um símbolo para o tradicionalismo

Janus, um deus romano que dá nome ao primeiro mês do ano, é também um abridor e fechador de portas. Ele tem duas faces: uma olha para trás e outra olha para frente.

Não vejo símbolo melhor para o tradicionalismo gaúcho que a imagem de Janus, porque nós, os homens de bota e de bombacha, somos bem assim. Jamais deixamos de olhar o passado e aprender com os feitos de nossos grandes. E jamais deixamos de olhar para o futuro, a fim de evitar erros cometidos no passado.

Vejo nessa vocação “janística” do tradicionalismo algo muito importante e que nos permite fácil defesa contra a acusação que seguidamente nos fazem de retrógrados, de viver num mundo que só existe no passado, como se fôssemos nefelibatas ou esquizofrênicos vivendo num mundo irreal, num mundo que existiu mas não existe mais – uma espécie de loucos pacíficos, inofensivos.

Não é nada disso. Se querem um símbolo para nós, peguem Janus, uma divindade tão importante em Roma que teve templos em sua honra.

Dentro dessa visão janística, é muito importante salientar que, no folclore e na literatura, a tradição gaúcha já aparecia com força quando o gaúcho ainda não era aceito e respeitado – o que só vai acontecer a partir da Guerra dos Farrapos. Haja visto que bem na metade do século 19 surge o trabalho de Pereira Coruja sobre vocábulos e frases usados na então Província do Rio Grande do Sul.

Era importante frisar, deixar provado que aqui no extremo sul no mapa do Brasil vivia um tipo humano com características próprias: expressões próprias do linguajar, formas de vestir, de trabalhar, de comer, de se divertir...

Viajantes que vieram para cá, que se transformaram em cronistas de costumes muitas vezes sem falar o português que falamos, todos se impressionaram com o nosso jeito de ser, com a nossa característica maior de olhar para trás e para frente ao mesmo tempo.

Talvez por isso seja uma característica imutável nos vetustos casarões das estâncias tradicionais os retratos dos avós, conforme o belíssimo poema Herança, de Apparício Silva Rillo, que o charrua João Rodrigues declama de maneira impecável: “Naqueles tempos, sim, naqueles tempos”. Na realidade não é um poema, mas uma aula de sociologia.

É Janus olhando para trás enquanto a face do século 19 olha para frente: “Por isso um berro de boi nos toca tanto / e tão profundamente. / Por isso somos guardiões de casas velhas, / almas de sesmarias e de estâncias, / paredes que suportam seus retratos.”

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