sábado, 22 de janeiro de 2011



23 de janeiro de 2011 | N° 16589
VERISSIMO


Os pêssegos

Pêssegos ruins são maus presságios?

Estava ficando tarde. Tinham começado a jogar às nove, eram duas da manhã. Cinco horas de pôquer. E ainda por cima o Natalino perdia feio. Passara a noite inteira perdendo feio. E ficando cada vez mais irritado.

Não se ouvia mais nada na mesa, além dos ruídos naturais do pôquer. O clicar das fichas. Frases curtas: “Dou cartas”. “Vou”. “Não vou”. “Pago pra ver”. “Não é possível!” (o Natalino). Etc. Um ou outro gemido. E alguns bocejos. Estava ficando tarde.

Foi quando o Eraldo disse “não vou” e jogou fora as suas cartas. Não iria naquela rodada. Espreguiçou-se. E depois disse a frase:

– Os pêssegos estão ruins este ano.

O Natalino olhou em volta, com cara de espanto. Depois perguntou:

– O quê, Eraldo?

– Os pêssegos. Não estão bons este ano.

– E o que os pêssegos têm a ver com o jogo, Eraldo? Ou com qualquer coisa?

– Nada. Foi só um comentário.

– Não é metáfora? Os pêssegos não querem dizer outra coisa? Pêssegos ruins são um mau presságio, é isso? Como pássaros caindo mortos do céu? Um prenúncio do fim dos tempos? Ou o quê?

– Não. Nada. Eu só comentei que...

– Está bom, Eraldo. Nós já ouvimos. Agora deixa eu me concentrar na minha mão. Que, como sempre, está uma porcaria.

O silêncio voltou à mesa. O jogo continuou. Natalino tinha um par de rainhas. Perdeu para dois pares. O baralho andou. Nova rodada. Todos fizeram o seu jogo. E o Eraldo falou:

– E olha que é tempo de pêssegos...

Natalino avisou ao resto da mesa:

– Eu vou matar esse cara.

– Calma, Natal. Calma.

– Eu vou matar esse cara!

Eraldo tentou se defender.

– Eu só estava...

– Me faz um favor, Eraldo – interrompeu Natalino. – Não diz mais nada. Eu não quero mais ouvir a palavra “pêssegos” esta noite. Está bem?

– Oquei, oquei. Três rodadas silenciosas depois, novamente o Eraldo:

– Quem é o tal de Holden, afinal? – Quem?

– Texas Holden. O nome desse tipo de pôquer que o pessoal está jogando.

– Não é Holden. É hold’em. Texas hold’em. Eme no fim.

– Ah...Novo silêncio, e de novo o Eraldo:

– Será parente do William? – Quem?

– William Holden. Aquele ator americano que fez...

Natalino se atirou por cima da mesa para agarrar a garganta do Eraldo. Espatifou a mesa. Tiveram dificuldade em arrancar o Natalino de cima do Eraldo, que ele tentava esgoelar. Todos concordaram que Natalino tinha razão para se irritar daquele jeito, ainda mais perdendo como estava.

Mas também desconfiaram que havia estratégia na sua explosão. Com o seu salto espetacular, as fichas tinham se espalhado para todos os lados. Seria impossível saber quem estava ganhando ou perdendo. De qualquer jeito, decidiram acabar o jogo.

Estava ficando tarde.

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