quarta-feira, 19 de janeiro de 2011



19 de janeiro de 2011 | N° 16585
PAULO SANT’ANA


Meu tango preferido

Prótese é qualquer aparelho que ajude ou aumente alguma função natural do corpo humano.

Estive pensando muito sobre próteses, debrucei-me atentamente sobre todas as suas nuanças, como Champollion no início de suas traduções dos hieróglifos de Ramsés.

Interessei-me por próteses assim com essa dedicação quando percebi que eu tinha três próteses que ajudam meus três sentidos: a audição, a visão, o gosto.

Ou seja, três sentidos essenciais meus são auxiliados por próteses: meu aparelho auditivo, meus óculos e minha dentadura da gengiva inferior.

Estou falando isso porque fui a Punta del Este sexta-feira passada para assistir ao show de Adriana Varela, famosa cantora argentina de tangos.

Lá estava eu na plateia lotada do Hotel Conrad para ver Adriana cantar.

Como me esqueci de portar meu aparelho auditivo, ouvia mal o início do show.

Esgueirei-me então entre os espectadores e fui sentar naquela escadinha que dá acesso ao palco.

Depois de cantar três tangos, Adriana avistou-me naquele canto e foi com o microfone falar comigo. Perguntou o que estava fazendo ali, fora da minha poltrona.

Peguei o microfone e, em meio ao show, disse o seguinte à cantora: “Sou brasileiro, mas um excêntrico brasileiro: talvez eu goste mais de tango do que de samba. E estou aqui nesta escadinha porque venero você: todos os dias, em meu carro, ouço o seu CD, cantando assim. E cantei o estribilho do tango Malena:

Malena canta el tango

Como ninguna

Em cada verso pone

Su corazón.

A yuyo del suburbio

Su voz perfuma

Malena tiene pena

Del bandoneón.

O público me aplaudiu, e Adriana Varela falou que cantaria a meu pedido o tango Malena.

Cantou, foi aplaudidíssima e eu saí do show com a alma lavada, tinha ouvido de perto um dos grandes ícones do tango, tinha aproveitado para cantar um pedaço de um tango e tive atendido um pedido meu pela grande cantora.

Quando terminou o show e voltei para minha mesa e para meu vermute, fiquei pensando que desta vez eu tinha me insinuado junto ao palco sem a finalidade de cantar.

E que, no entanto, o acaso fizera com que a cantora me visse e fosse falar comigo.

É evidente que então preparei minha fala de resposta à pergunta da cantora de forma a que eu pudesse cantar.

Fiz com maestria tudo isso, acabei conseguindo uma coisa de que gosto: cantar.

E estive perto, muy cerca, de um ídolo meu.

Meu golpe, pensando bem, foi de mestre.

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