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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
24 de janeiro de 2011 | N° 16590
L. F. VERISSIMO
A doutrina do choque
A canadense Naomi Klein ficou conhecida com o livro No Logo, em que ela criticava a globalização e a rapinagem, pelo consumismo, do capitalismo sem fronteiras.
No seu livro novo The Shock Doctrine, a doutrina do choque, ela sustenta que o capital internacional aproveita, quando não promove, o caos e a catástrofe para avançar políticas de mercado e o fundamentalismo neoliberal. Seus exemplos mais recentes, entre outros, são a invasão do Iraque – cujas primeiras ações foram batizadas pelo Pentágono de “Operação Choque e Espanto” –, que abriu caminho para empresas americanas dominarem setores como o da segurança privada no país e as grandes petroleiras garantirem seus suprimentos;
a “guerra” das Malvinas, que deu força e prestígio interno para a Margaret Thatcher completar sua revolução liberal na Inglaterra; o ataque ao World Trade Center, que justificou todos os excessos nas políticas interna e externa do Bush, inclusive a invasão do Iraque, e teve como benefício colateral o enriquecimento de empresas como a Halliburton, notoriamente ligada ao governo;
as inundações causadas pelo furacão Katrina em Nova Orleans e pelos tsunamis na Ásia, nos dois casos, segundo Naomi, propiciando “novos começos” que favorecem mais interesses empresariais do que as populações atingidas.
A autora também inclui o golpe contra Allende, no Chile, a queda da União Soviética e o massacre da Praça Tiananmen como exemplos de choques bem aproveitados pela doutrina, e não deixa de citar o Brasil – menos o golpe de 64 e mais a influência da escola de Chicago na sua economia, outro tipo de desastre.
O livro da moça foi chamado de exagerado e simplista, e não apenas pela direita. Mas mesmo críticos concordaram que a sua tese, se não é vera, é bem bolada. Como ela se aplicaria ao Brasil do caos no Rio e da catástrofe na serra?
A intervenção militar e a “pacificação” dos morros do Rio só recebe elogios, merecidos, mas eles adiam um pensamento mais consequente sobre o que aconteceu. E o que aconteceu de historicamente mais importante foi a mobilização das forças armadas brasileiras para uma missão inédita, com a concordância e sob aplausos de todos, sem que se ouvisse um “peraí um pouquinho”.
Ontem o inimigo foi o tráfico sublevado, amanhã de onde virá a ameaça de caos, e a quem aproveitará sua supressão? O precedente está estabelecido. Quanto à tragédia nas cidades serranas, o “novo começo” pressupõe novo rigor nas licenças para construção e uma ocupação mais racional da terra. Quer dizer: nada que diga respeito ao pobre obrigado a erguer seu barraco num barranco deslizante por absoluta falta de alternativas.
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