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sábado, 22 de janeiro de 2011
22 de janeiro de 2011 | N° 16588
CLÁUDIA LAITANO
Paisagens
Das coisas que a gente não presta mais atenção porque vê todos os dias, diz-se que viraram “paisagem”. Paradoxalmente, portanto, paisagem é tudo aquilo que é onipresente quando olhamos para os lados, mas é também o que não se vê mais no detalhe, porque não há estranhamento ou interesse.
A cidade em que a gente vive pode virar paisagem, tanto para quem mora no cenário de cartão-postal quanto para quem convive com o mais medonho naco de confusão urbana. Mas mesmo sem perceber, mesmo quando o paraíso nos parece trivial, e o caos torna-se não apenas invisível, mas docemente familiar, somos afetados pela beleza (ou pela ausência dela) tanto quanto pela temperatura do ar ou pelo perfume do ambiente.
É verdade que calor e frio são medidos por grandezas absolutas, enquanto “belo” e “feio” são conceitos considerados subjetivos, mas quem não acredita que a harmonia externa pode ser tão concreta quanto uma pancada de chuva deve se perguntar se faz diferença passar duas horas olhando o mar ou a parede de um edifício, caminhar numa praça aproveitando a sombra ou no centro da cidade vendo carros e postes de luz. Os olhos veem, o coração sente.
Penso nisso às vezes, quando venho trabalhar, percorrendo o trecho da Ipiranga entre a Silva Só e a Erico Verissimo. Faço esse trajeto todos os dias, há quase 20 anos, e a Ipiranga ainda não virou paisagem. Olho edifícios antigos ganhando grotescos anexos de vidro, monumentos públicos e privados que nunca deveriam ter saído da prancheta, caixas de tijolos surgindo no meio do caminho sem nenhum compromisso com a harmonia do entorno, placas de cimento disputando espaço com a grama.
Ainda olho o arroio pensando em como poderia ser bonito – e não é. E, se fosse, como seria agradável passar por ele todos os dias. A Ipiranga é pragmática, objetiva, eficiente, mas trata a beleza como se fosse um luxo impossível por estas bandas – ou, pior, um defeito de caráter. A Ipiranga não é só uma avenida, é um estado de espírito da cidade.
Um estado de espírito que fez com que o Guaíba, durante muito tempo, virasse paisagem em Porto Alegre. Não no sentido original, do cartão-postal, mas naquele dos cenários invisíveis: estava ali, mas ninguém mais via, porque a cidade, pragmática, estava de costas para ele, interessada em coisas mais úteis como shoppings e viadutos.
Isso vem mudando nos últimos anos, e as obras de saneamento que devem ser entregues ainda em 2011 prometem ser um marco histórico desse reencontro da cidade com o Guaíba balneável (e admirável) que muitos conheceram na infância.
A cidade cresceu como uma donzela austera que não achava importante se enfeitar. Um Guaíba limpo e cercado por um cais do porto revitalizado e vibrante pode funcionar como o primeiro namorado: um estímulo para investir na vaidade. A beleza é um luxo possível, sim, em qualquer lugar onde exista vontade e planejamento. Até mesmo no Arroio Dilúvio, se a gente quiser.
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