quinta-feira, 20 de janeiro de 2011



20 de janeiro de 2011 | N° 16586
LETICIA WIERZCHOWSKI


De quilômetros e romances

Haruki Murakami é um dos escritores mais importantes da atual literatura japonesa, e sua obra já foi traduzida em 38 idiomas. Li um único romance seu, Minha Querida Sputnik. Já Marcelo, meu marido, devorou todos os romances de Murakami publicados por aqui (sugestão dele, e já sobre o meu criado-mudo: Depois do Anoitecer).

Pois foi o Marcelo quem me deu Do que Eu Falo quando Eu Falo de Corrida. Não é um livro sobre esportes, tampouco um romance – é ensaio sobre uma das atividades mais praticadas por Murakami, a maratona.

Murakami corre maratonas e escreve romances com igual faina. Nesse livro, desenvolve um paralelo entre essas atividades, entregando-nos um texto delicioso, alegre e iluminado. Não é um livro só para esportistas ou romancistas, é para pessoas que têm e perseguem objetivos – escrever um romance, assim como correr uma maratona, exige uma alta dose de dedicação e de esforço, paciência e persistência, e é sobre a manutenção e o desenvolvimento dessas qualidades que Murakami fala, enquanto fala da sua árdua rotina de corredor de longas distâncias.

Eu sou uma dedicada praticante de esportes, e também escrevo romances. O livro foi uma iluminação e uma conversa ao pé do ouvido. Murakami desfia os motivos que me fazem sair da cama ao longo dos anos, mesmo nas frias manhãs do inverno gaúcho, para praticar minha natação.

Não é só a imobilidade à qual a tarefa de escrever nos empurra, mas também algo mais sutil, uma vontade interior de superação – a mesma vontade que me levou, anos atrás, a alinhar palavras ao longo das centenas de páginas do meu primeiro romance, que escrevi longe dos olhos de todos, e por cuja publicação corri como uma maratonista.

Claro que, em se tratando de esporte, Murakami é muito mais dedicado do que eu – corre, ao longo de um mês de treinos, média de 250 quilômetros.

Além disso, já cometeu a loucura da ultramaratona de 100 quilômetros, correndo ao longo de 11 horas seguidas – loucura que, diz Murakami, desencadeou-lhe uma tristeza que ele batizou de runner’s blues, a melancolia do corredor.

Num mundo onde mudar o prumo é a moeda corrente, onde as pessoas buscam atingir apenas objetivos imediatos, e não têm mais persistência para muito, Murakami nos mostra, sem qualquer soberba, que tudo que vale a pena exige esforço e perseverança.

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