sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



21 de janeiro de 2011 | N° 16587
MOISÉS MENDES


A revolução das figurinhas

Seu Nico foi quem me avisou: tem família em promoção ali na loja de 1,98 da Juca Batista. Fui lá. Tinha um cartaz na porta: vende-se famílias. A moça explicou que um kit saía por 1,98: o casal, a sogra e dois filhos.

O cachorro era brinde. Se acontecer separação, pode devolver o bonequinho. Uma moça devolveu o marido, trocou por um linguicinha. Tem um boneco de marido que já foi devolvido três vezes.

Seu Nico é guardinha da Zona Sul. Desconfia que essas figurinhas de adesivos de família correm risco. Te prepara que alguém vai inventar uma lei proibindo essas famílias na traseira dos carros, me disse. Seu Nico e eu concordamos que os bonequinhos são a melhor coisa de Porto Alegre desde a construção do Museu do Iberê. Se alegram a cidade, uma hora serão proibidos.

Seu Nico já viu um camionetão só com o cachorro. Viu famílias só de crianças. Confessei pro seu Nico que nunca pensei em ter adesivos de família. Comecei a pensar.

De lero em lero, tivemos uma ideia coletiva: uma revolução das famílias de adesivos. Liderada pelas crianças e avós, como nos filmes em que os brinquedos ganham vida. Aquelas meninas de maria-chiquinha e os guris de topetes saltariam dos carros e tomariam Porto Alegre.

Uma algazarra contra o tédio, com a ajuda de poodles e guaipecas. Assumiriam o controle do recolhimento do lixo. Terminariam com a enrolação e construiriam ciclovias, do Guaíba até a PUC, da Restinga até o Rubem Berta.

Os prédios cinzentos seriam pintados com cores berrantes como o casaco do Paul McCartney. Limpariam o Dilúvio, a maior vergonha da Capital. Ergueriam o prédio da Ospa. Alargariam calçadas, reformariam praças. E dividiriam o comando da cidade com adultos cúmplices que tenham brilho no olho de tanto suar vivacidade pelas pupilas.

Tatata Pimentel seria o chefe de gabinete. Tânia Carvalho assumiria a Secretaria da Civilidade. Nei Lisboa, a pasta de Combate à Grossura. Peninha, a Carris e a Ciclorris. Dacanal seria coordenador do Orçamento Participativo e explicaria tudo em latim. Dona Eva Sopher, a secretária de Todos os Sonhos. José Antonio Pinheiro Machado, o chefe de Temperos Urbanos e Especiarias.

Seu Nico imaginou o Cacalo e o Kenny na Secretaria de Loucuras Viáveis e Inviáveis. O Pinheirinho de gravata-borboleta dando ordens: nada de fogo brando, faz, tá feito, manda servir. O Peninha a mil numa Monareta amarela. A Tânia determinando: dependura mais um pardal na Nilo, meu amor. E o Tatata num gabinete todo roxo, com quatro telefones com pedrarias, como essas vacas da Cow Parade.

Porto Alegre só tem salvação se for entregue à loucura dos seus melhores loucos. A criançada dos adesivos e os adultos que se parecem com elas deveriam sequestrar Porto Alegre até o final do veraneio. E o Fortunati? O prefeito é gente boa, gosta de crianças e bichos e pegou esse tédio já criado. Fortunati iria gostar.

Agora esclareço. Aderi aos adesivos por causa do meu primeiro neto, o Joaquim, que há 23 dias desembarcou neste mundo já de topete. Avô novo pode tudo.

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