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sábado, 2 de julho de 2011
02 de julho de 2011 | N° 16747
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES
Causos do Frio
O frio está aí. De vez em quando o vento minuano aparece e só vai embora depois de três dias e três noites. É frio de renguear cusco!
Quando eu era guri, no Ijiquiquá – interior de Uruguaiana – o inverno era de rachar. A geada renvidraçava os campos e a gurizada saía – muitas vezes de pé descalço – para botar as vacas ou procurar bosta seca para o fogo de galpão. O frio rachava os pés: pequenos talhos que chegavam a sangrar.
Os quero-quero se protegiam aquecendo ora uma perna na plumagem, ora outra. Os cuscos rengueavam mesmo, entanguidos. Nos galpões, a indiada arrastava os arreios para perto do fogo, enquanto o minuano uivava rondando o oitão das casas como cachorro louco. Ao redor do fogo de chão ou do fogão de ferro das cozinhas das estâncias, os causos surgiam, às vezes mentiras cabeludas.
João Simões Lopes Neto transformou o contador de causos Romualdo num baita mentiroso tipo Barão de Münchausen, o maior “queimador de campo”. Diz que, quando o Romualdo era cadete, acampou com um companheiro num raso de campo em pleno inverno num frio de rachar pedra. O cadete queria fazer churrasco, mas onde achar madeira para espeto?
O fogo não era o problema, porque era fácil achar bosta seca. Procura daqui, procura dali, Romualdo achou um espeto ideal, com três palmos de tamanho, fino, forte e pontudo. Espetou a manta de carne, cravou na beira do fogo e foi remexer nos arreios talvez procurando uma canha. Daí a pouco o companheiro gritou: “acuda, cadete, que o seu churrasco se vai embora!”. Romualdo tinha espetado o churrasco com uma cobra congelada! Ao calor do fogo, ela descongelou e se mandou com o churrasco nas costas, perseguida pelo cadete. Conseguiu entrar na toca e deixou o churrasco na entrada, como cortina...
Eu mesmo fiquei famoso no Alegrete quando inventei a “pesca de serrote”, muito conhecida por lá. Hoje, todo mundo pesca assim, mas quase ninguém sabe que fui o inventor .
No inverno, o rio Ibirapuitã congela em vários pontos. Pessoas podem caminhar e até patinar por cima do gelo. Congelado o rio, peixes ficam imobilizados no gelo. Numa dessas, quando era rapazote, andando por cima do rio, vi um grumatã parado a meio metro da superfície.
Fui em casa, busquei um serrote e um saco de estopa com serragem. Voltei para cima do grumatã e serrei o bloco de gelo que tinha o peixe dentro, rebolquei na serragem e guardei no saco. Caminhei um pouco:uma traíra, um douradito. E assim consegui jundiá, piava e até uma tartaruga verdolenga que criei guaxa no poço de casa. Estava inventada a “pesca de serrote”.
Com o frio louco por aí, jogo que tem gente de serrote nas mãos por lá. E usam um recurso que eu não usava: luva. Comigo era na mão limpa!. Parece mentira, não é ?
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