segunda-feira, 25 de julho de 2011


JAIME SPITZCOVSKY

BICHOS

Enquanto acariciava Charlie, refletiu sobre os passos que evitariam a guerra nuclear com a URSS

Saída canina para a crise dos EUA

APÓS MEU primeiro texto nesta seção, recebi mensagens indagando como, com mais de 20 anos na labuta com política internacional, havia achado tempo para me dedicar a animais de estimação. Na verdade, me acompanham há muito tempo. Praticamente desde que nasci.

Em minha memória, só não registro companhia de pets nos sete anos em que trabalhei como correspondente desta Folha em Moscou e em Pequim, na década de 1990. Quando desembarquei na então capital soviética, devastada pela escassez crônica de alimentos, cheguei, logo de início, a fazer um enxoval canino, à espera da vinda de um companheiro. Comprei coleira, escova e potes para água e comida.

Em pouco tempo, recuei da ideia, e os apetrechos se aninharam no fundo do armário. Percebi que a trepidante cobertura jornalística daquela era de desintegração da URSS não permitiria rituais imprescindíveis, mas consumidores de tempo precioso, como o passeio diário ou a escovação periódica.

Tampouco tive cachorro nos meus três anos pequineses. Na Moscou da escassez comunista, cheguei a conviver com o medo da dificuldade para encontrar ração. Na Pequim da gastronomia aterradora, convivi com o pesadelo de que se tivesse cachorro, ele poderia acabar numa panela e virar ração...

De qualquer forma, meu criado-mudo sempre carregou uma mescla de livros e revistas, em sua maioria, de política internacional e de animais. E não apenas especializadas em cães, mas também sobre ferrets, coelhos, tartaruga, peixes e calopsitas. Num flashback até a infância, a lista inclui cavalo, ovelha, porquinho da índia, vaca e periquito.

A mistura de temas, serpenteando entre conjuntura internacional e vida animal, faz com que muitas vezes eu associe esses dois mundos, talvez mais próximos do que pareçam. É notório o caso dos EUA, onde pets na Casa Branca seduzem historiadores e até analistas políticos, que chegaram, na última campanha presidencial, a questionar se John McCain não levaria vantagem, na construção de sua imagem, sobre Barack Obama justamente por ser dono de um cachorro de estimação.

Ficou provado que cachorro não ganha eleição, e Obama chegou à Casa Branca. Três meses depois de tomar posse, argumentando cumprir uma promessa às filhas de abrir espaço familiar para um pet , o novo presidente ganhou Bo, filhote da raça cão d'água português, do senador Edward Kennedy.

A intenção do presente talvez fosse repetir o roteiro do welsh terrier Charlie com John F. Kennedy. Segundo relatos, no momento mais tenso da crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o presidente norte-americano pediu que levassem seu cachorro ao Salão Oval. Enquanto acariciava Charlie, refletiu sobre os passos que evitariam a guerra nuclear com a URSS e permitiriam a retirada das armas de solo cubano.

Nos últimos dias, Obama enfrentou momentos delicados na disputa com a oposição republicana, por conta do limite do endividamento norte-americano. Se experiência vale em política, é recomendável repetir John F. Kennedy: trazer o cachorro para o Salão Oval e relaxar, em busca de uma saída para a crise.

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