sábado, 16 de julho de 2011



16 de julho de 2011 | N° 16762
CLÁUDIA LAITANO


A velha louca

Era uma dama que não passaria despercebida nem na ala mais festiva de uma parada de orgulho gay – dessas que usam colares de bolas verdes do tamanho de um morango graúdo e combinam o chapéu usado no casamento de um cunhado do doutor Borges com os chinelos comprados semana passada no mercadinho da esquina.

Por diversão, adorava narrar em detalhes picantes a vida amorosa de personalidades aparentemente amorfas e ria muito revelando aos inocentes a ninfomania notória da mulher de um político conhecido, com a qual tomava chá todas as quartas-feiras na mesa mais concorrida da Confeitaria Rocco – no tempo da Confeitaria Rocco e de encontros para o chá às quartas-feiras.

Gostava de ler e de conversar sobre livros, sem se levar tão a sério a ponto de soar pedante aos amigos menos lidos. Lia Proust em francês desde menina-moça, mas para enfrentar doença ou insônia preferia Harold Hobbins.

Nunca recusava um convite para dançar, fosse para uma valsa vienense ou uma macarena, e não tinha o menor pudor em tirar os sapatos no meio da festa em atenção aos joanetes, instigando as moças penduradas em saltos muito altos a trocarem a elegância pelo conforto a certa altura da festa: “Depois da terceira taça, ninguém repara nos detalhes”.

Gostava de dormir tarde e de uísques importados e jamais – jamais – pensou em diminuir o número de cigarros para preservar a saúde e esticar os anos que lhe cabiam na atual encarnação (se dizia agnóstica convicta, mas acreditava em vidas passadas e nas muitas coincidências que indicavam sua passagem pelo Antigo Egito e pelos braços de Júlio César e Marco Antônio). Morreu bem velhinha, ligeiramente caduca, dizendo que quem ficava velho sem perder um pouco a compostura acabava ranzinza e com tendência ao mau hálito.

As velhas loucas são eternas e universais – quase todo mundo conhece uma. A maioria de nós, as mulheres muito responsáveis e adequadas, passa boa parte da vida em um esforço insano para passar a limpo a existência e suas circunstâncias.

Enquanto os homens parecem abstraídos por um assunto de cada vez, suas mulheres se ocupam em prestar atenção em tudo, sinceramente convencidas de que isso é possível.

Querem a casa mais aconchegante, o marido mais completo, os filhos mais perfeitos, o trabalho mais reconhecido – mesmo quando dizem que não, porque tanta mania de perfeição irrealizada não pega nem bem.

A velha louca é a mulher que, a certa altura, liberta-se da fantasia de controle e se entrega à entropia inevitável. Fala o que tem vontade e escuta só o que quer. A velha louca não perde tempo implicando com o marido e os vizinhos nem reclamando que os filhos não visitam mais: a velha louca tem vocação para a alegria.

Sua única loucura, na verdade, é ser imprevisível e ainda achar muita graça no que as pessoas dizem e fazem – como quem recém chegou neste mundo e não pretende sair tão cedo.

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