terça-feira, 19 de julho de 2011



19 de julho de 2011 | N° 16766
DAVID COIMBRA


Homens de verdade

Ainda existem valores masculinos, nesse mundo cada vez mais feminino. Essa semana mesmo, meu filhinho contou, detrás do bico, que dois meninos haviam atirado areia na bunda do melhor amigo dele, o João Francisco, lá na escolinha.

– Hoje eu e o João Francisco vamos pegar aqueles meninos, papai – anunciou, cheirando o paninho dele.

Ergui-me de um salto. Espetei o indicador no ar.

– É isso mesmo, meu filho! – bradei. – Isso mesmo! Amigo que é amigo defende o amigo. Amigo que é amigo não aparta a briga do amigo: entra nela sem perguntar por que, e entra dando pernada, dando manotaço, dando mata-cobra! Lealdade, meu filho! Lealdade!

Ele me olhou lá de baixo de seu metro de altura, contente, e foi brincar com o balão do Batman.

Lealdade. Eis um valor masculino por excelência. Um homem de verdade tem de ser leal até para com seus inimigos. Um homem de verdade não perdoa os amigos, porque amigos não precisam ser perdoados. Um homem de verdade é tolerante, mas não permissivo. Um homem de verdade pode ser vaidoso e exibido com as mulheres, mas será sempre desprendido, despojado e abnegado entre os homens.

Um homem de verdade ri de si mesmo e ri mais ainda quando os outros riem dele. Um homem de verdade jamais abandona o amigo quando o amigo precisa de diversão. Um homem de verdade não troca os amigos por uma mulher. Um homem de verdade tinha de estar assistindo Argentina versus Uruguai, no sábado à noitinha.

Aquele foi um jogo de homens de verdade. Um jogo em que havia heróis, Messi e Fórlan, e os heróis jogaram com heroísmo. Um venceu e o outro perdeu, mas ambos foram grandes, como Aquiles e Heitor, como César e Pompeu, como Batman e o Coringa, como Mickey e o Mancha Negra.

Em Argentina versus Uruguai houve drama sem jamais haver dramalhão, houve graça sem haver gracinha, foi um jogo duro sem ser violento. Argentinos e uruguaios foram inimigos leais, como devem ser os homens, e foi por isso que os argentinos, derrotados, aplaudiram os vencedores uruguaios no final. Porque os uruguaios venceram, mas os argentinos não perderam. Os argentinos saíram de queixo erguido, olhando sua torcida nos olhos, conscientes de que fizeram o que tinham de fazer. O que nem todos fazem.

Por que a Seleção é detestada

Há quem antipatize e há até quem odeie a Seleção Brasileira. Entendo por que. Alguns podem achar que seja falta de patriotismo, como acharam Dunga e Jorginho na Copa de 2010. Bobagem. O patriotismo não deve mover a Seleção Brasileira. Não deve mover nenhum brasileiro em nenhuma direção. O patriotismo é um sentimento subalterno, discriminatório, responsável por algumas das mais sangrentas tragédias que o ser humano já se autoinfligiu na poeira da História.

Não. O que torna a Seleção Brasileira antipática é que ela, de certa forma, simboliza o que existe de pior no Brasil: o desapego a valores intangíveis e o apreço excessivo ao dinheiro e à fama, que, ao fim e ao cabo, deságuam no maior mal nacional: a corrupção.

Não que alguém espere que um profissional trabalhe de graça. Nada disso. Todo mundo quer ser bem remunerado pelo que faz. Mas o bom profissional, aquele em quem se pode realmente confiar, não trabalha por dinheiro. O dinheiro não é a causa da sua atividade; é a consequência.

Um jogador que joga por gostar de jogar bola, como jogava Garrincha, como parecia jogar Ronaldinho, esse jogador será amado. Um jogador que joga pelo amor à vitória e ao sucesso, como jogava Pelé, Zico, Renato e Falcão, esse jogador será admirado.

Um jogador que joga pelo dinheiro, como parecem jogar os atuais jogadores brasileiros, entre eles Ronaldinho, esse jogador será muitas vezes bajulado e sempre desprezado. Os jogadores brasileiros não têm identificação alguma com qualquer torcida, com o amor à bola ou com a beleza da sua profissão. Eles estão lá para enriquecer. Enriquecerão. Serão cortejados. Mas, amados, isso nunca serão.

O trunfo de Falcão

A permanência de Falcão como técnico do Inter decerto que não era consenso entre os torcedores. Mas sua saída também não. Quer dizer: Falcão não passou pelo desgastante processo de queimação por que passa um treinador em vias de ser demitido.

Ser chamado de burro por um estádio inteiro, ouvir vaias à menção de seu nome, ler na arquibancada cartazes de “fora!”, Falcão não enfrentou nenhum desses constrangimentos comuns aos técnicos de futebol. Sua saída do Inter não lhe macula a condição de ídolo da torcida. Pelo menos isso foi preservado.

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