terça-feira, 12 de julho de 2011



12 de julho de 2011 | N° 16757
CLÁUDIO MORENO


Não dou a mínima

Quando a filha de Clístenes, o tirano de Sícion, chegou à idade de casar, uma proclamação foi divulgada por todos os reinos que compunham a Grécia: todo jovem que se julgasse digno o bastante para desposá-la deveria submeter-se a um ano inteiro de provas e entrevistas, ao cabo do qual seria conhecido o nome do felizardo. Em sessenta dias, a flor da juventude grega estava reunida em Sícion, onde o rei havia destinado um estádio e um ginásio especialmente para a seleção do seu futuro genro.

À medida que iam chegando, Clístenes interrogava-os sobre sua família, sobre a cidade de onde provinham, sobre seus hábitos e sobre sua educação. Para conhecê-los ainda melhor, manteve-se junto deles a maior parte do ano, observando suas conversas, seus exercícios e, sobretudo, o seu comportamento nos festins que ele próprio organizava. Embora todos os pretendentes fossem do mais alto quilate, o mais aquinhoado parecia ser Hipóclides, filho de uma extensa linhagem de heróis atenienses.

No dia fixado para o anúncio, o soberano deu uma grande festa para toda a população. Quase ao final do banquete, Hipóclides, para o qual se voltavam todas as atenções, aproveitou que o flautista tocava uma ária bem compassada e começou a dançar, o que fazia com muito gosto e evidente satisfação.

Entusiasmado, mandou vir uma grande mesa para o meio do salão e sobre ela continuou dançando, primeiro à moda de Esparta, depois à moda de Atenas; finalmente, arrebatado pela música, apoiou a cabeça na mesa, equilibrou-se com as pernas para cima e, com extraordinária maestria, pôs-se a movimentar-se em todas as direções, seguindo o compasso da flauta.

Clístenes, que já estava chocado com as primeiras danças e fazia um grande esforço para ocultar a aversão diante daquele espetáculo, não pôde mais se conter quando viu seu candidato favorito gingando e rodopiando com as pernas para o ar, e exclamou, indignado: “Jovem, perdeste a noiva dançando!” – ao que o ateniense retrucou, alegremente: “Pois Hipóclides não dá a mínima!”.

Heródoto conta que, com o tempo, essa resposta curta e espontânea acabou se tornando uma expressão popular no mundo grego.

Para uns, servia como crítica à irresponsabilidade dos jovens; para outros, no entanto, era uma afirmação de liberdade, de independência diante da opinião dos outros. Não foi por acaso que o discutido T. E. Lawrence, tradutor da Odisseia e agente secreto britânico, mais conhecido como Lawrence da Arábia, entalhou esta frase no alto da porta de sua casa de campo, a indicar que, se não podemos eliminar as preocupações – já que isso é privilégio dos deuses –, devemos lutar para tornar nossa vida mais leve, deixando de levar tão a sério o julgamento que os outros, inevitavelmente, haverão de fazer sobre nós.

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