sábado, 16 de julho de 2011



17 de julho de 2011 | N° 16763
MARTHA MEDEIROS


Escrever à mão

Assim como não há mais razão para aprendermos a revelar uma foto, não haverá razão também para que se aprenda a letra cursiva

Não é nenhuma novidade que estamos nos desacostumando a escrever à mão. Quando ainda o fazemos? Ao assinar um documento, ao deixar um bilhete na porta da geladeira, ao organizar a lista de compras para o supermercado. É por isso que o Estado americano de Indiana já estuda a possibilidade de retirar do currículo escolar o ensino da letra cursiva, já que os teclados serão uma extensão de nossos dedos.

Acompanhei a discussão desse assunto na rádio CBN, num programa em que a filósofa e escritora Viviane Mosé contrapôs-se ao jornalista Artur Xexéo.Viviane não acredita que esse projeto vá pegar e pensa que a vida ficaria menos poética e menos livre sem o uso da mão como ferramenta para se comunicar.

Já Xexéo não tem dúvida de que esse é um caminho sem volta: assim como não há mais razão para aprendermos a revelar uma foto – prática que constava do currículo de todas as faculdades de comunicação – não haverá razão também para que se aprenda a letra cursiva.

Quem se perder numa ilha deserta não precisará mais escrever “socorro!” na areia com um pedaço de pau, basta mandar um e-mail. Aliás, quem ainda fica perdido em ilhas desertas, havendo GPS?

Obviamente que meu lado nostálgico pendeu para o lado das argumentações da Viviane. Impossível não lembrar dos nossos primeiros cadernos da escola, da magia de aprender a unir uma letra na outra e de assinar pela primeira vez o próprio nome. A assinatura da gente faz parte da nossa identidade.

Lindo, mas está na hora de acordar: em breve as assinaturas serão todas digitalizadas e ninguém mais usará cadernos, e sim tablets. Canetas, lápis, apontadores, cadernetinhas, irá tudo para o museu, e dê-se por feliz se o livro impresso também não for.

Sei que é bobagem tentar parar o tempo: recusar-se a aceitar os avanços da tecnologia é uma forma de lutar contra a ideia da morte. O problema é que nem tudo considero um avanço: viver sem poesia é evoluir? Aprecio muito a vida prática e funcional, mas às vezes bate saudade das coisas que davam defeito, como o ruído do disco de vinil ou a longa espera da chegada de uma carta. Até a caligrafia enigmática dos médicos há de fazer falta.

Menos mal que, a esta altura do campeonato, não preciso me preocupar em me adaptar a tantas inovações. Estou entrando naquela idade em que a resistência ao futurismo passa a ser perdoada – quem vai bater boca com uma senhora em via de ficar senil?

Então, enquanto pertencer a este mundo, ainda pretendo encontrar bilhetes escritos à mão no travesseiro ao lado do meu e poder deixar um recado escrito com batom no espelho do banheiro. Mas pra já. O direito de sermos deliciosamente cafonas está encurtando.

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