sábado, 16 de julho de 2011



17 de julho de 2011 | N° 16763
VERISSIMO


Contículos 2

Viena

– Você acha que eu devo abandonar a pintura?

– Não. Você leva jeito. Só falta um pouco de... Por que não tenta entrar na Academia de Artes de Viena?

– Já tentei. Duas vezes. Não me aceitaram.

– O que eles disseram?

– Que eu levava mais jeito para a arquitetura.

– Está aí. Arquitetura é uma boa ideia. Você estará construindo coisas. Deixando a sua marca no mundo.

– Enquanto que, como pintor, eu não deixaria marca alguma. É isso?

– Bem...

– Seria apenas mais um pintor medíocre, é isso? O mundo jamais saberia da minha existência. Quando eu morresse, minha lápide diria “Tentou ser pintor”. Ou “Aqui jaz um nada”.

– Não foi isso que eu quis dizer...

– Mas o mundo vai saber da minha existência. Entendeu? Espere só para ver. Ainda não sei como, mas vou me tornar conhecido. Vou ficar famoso. E sabe o que vai acontecer? Qual será a consequência disso?

– Qual, Adolf?

– Minhas pinturas valerão uma fortuna!

Verônica

A irmã Verônica foi chamada à presença da Madre Superiora. Como ela explicava que na sua cela tinham sido encontradas as sobras de um jantar, inclusive ossinhos roídos de codorna e dois copos com restos de vinho tinto?

Sem erguer os olhos, irmã Verônica contou que tinha recebido a visita do Diabo. Ele chegara com a comida e o vinho e os dois tinham comido e bebido até se saciarem. Depois ela dormira e, ao acordar, só vira o que sobrara do jantar. Nem sinal do Diabo.

Pode ser delírio, pensou a Madre Superiora. A pobrezinha da irmã Verônica reagindo à austeridade da vida monacal e imaginando tudo aquilo. Mas os ossinhos roídos de codorna eram reais, os copos com restos de vinho eram reais. Verônica não poderia ter roubado as codornas da despensa no convento. Não havia codornas na despensa do convento.

E, mesmo, como ela prepararia codornas na sua cela? Sem saber o que dizer, a Madre Superiora perguntou:

– Como é o Diabo?

– Simpático.

– Ele não falou se ia voltar?

– Não. Só me perguntou se eu gostava de lagosta.

Naquela noite, as irmãs fizeram vigília na porta da cela da irmã Verônica. Ouviram as vozes da irmã Verônica e de um homem vindas de dentro da cela, numa conversa entrecortada de risadas. E de repente, para grande susto das irmãs, a porta foi entreaberta e apareceu a irmã Verônica. Aparentemente, o Diabo tinha trazido vinho branco e maionese mas esquecido de trazer um instrumento para quebrar a carapaça da lagosta.

Se conseguiria algo como um alicate no convento? A Madre Superiora mandou buscar um alicate e fez questão de entrar na cela com ele, fechando a porta atrás de si. Depois ela veria aquela questão da intromissão do Diabo no convento. Falaria com o bispo, talvez fosse preciso um exorcismo. Mas no momento o importante era não deixar a irmã Verônica sozinha com um homem na cela.

Vitória

Era uma vez uma vaca Vitória. Ela deu um pum – e acabou a história. Mas isso é apenas a narrativa consequencial, descontextualizada, despida dos seus aspectos ecológicos e reduzida a uma linearidade silógica (animal enquanto Natureza não consciente + flato = escatologia nos dois sentidos) cuja brevidade quase aforística lhe empresta uma dimensão totêmica.

E “Vitória”, claro, é um pseudônimo.

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