sábado, 16 de julho de 2011



16 de julho de 2011 | N° 16762
NILSON SOUZA


Arabescos e biscoitos

Meu colega Erni é um consertador de palavras. Todos os dias desabam sobre sua mesa de trabalho textos com defeitos de fabricação, frases com vazamento nas juntas, vocábulos estropiados, com falta de letras ou mesmo de sentido.

Pacientemente, ele abre sua caixa de ferramentas, que contém não apenas as chaves de fenda da gramática, mas também compartimentos com estoques de vírgulas, hifens, crases, circunflexos e, suspeito, até alguns antigos tremas, por puro saudosismo.

Como aqueles carpinteiros que seguram pregos nos lábios enquanto medem, aplainam e parafusam, o nosso faz-tudo das letras revisa títulos, legendas, extensas reportagens, entrevistas, artigos e colunas, operando reparos sem alarde. É o anjo da guarda dos redatores distraídos.

Com a última reforma ortográfica, tornamo-nos ainda mais dependentes do nosso revisor. Invariavelmente, ele é chamado para elucidar as dúvidas sobre acentos que desapareceram e palavras compostas que se uniram de forma promíscua e inexplicável. Quando entra em férias, como ocorre atualmente, ficamos desorientados.

Além do suporte técnico preciso e eficiente que nos proporciona, ele ainda permite que os enjeitados do idioma sirvam-se nos pacotes de biscoitos que mantém sobre a mesa para enfrentar os serões da madrugada na Redação.

Erni é, sempre, o primeiro leitor desta crônica semanal e também uma espécie de termômetro da atratividade do texto. Sem nenhuma combinação prévia, desenvolveu um sistema de avaliação muito particular, mas que invariavelmente bate com a percepção dos leitores.

Quando me devolve a mensagem de confirmação da revisão com arabescos, estrelinhas, cobras, lagartos e outros símbolos gráficos, tirados não sei de que arquivo de fontes, é porque leu alguma coisa interessante. Quando manda uma resposta monossilábica, já sei que estou apenas cumprindo tabela.

Revisores são imprescindíveis, até mesmo para grandes e consagrados escritores. García Márquez confessou certa vez que a ortografia sempre foi o seu calvário, mas que, felizmente para ele, revisores mais benévolos costumavam atribuir seus erros à má caligrafia.

Como não escrevemos mais à mão, nosso bode expiatório passou a ser a digitação – embora o esse e o cê-cedilha sequer sejam vizinhos no teclado. A tecnologia também nos proporcionou um revisor eletrônico, o tal corretor ortográfico automático, que ajuda bastante, mas não é de total confiança. De vez em quando, apronta alguma armadilha. Neste texto mesmo, sugeriu substituir o cê por crê...

Além disso, não distribui biscoitos. Volta, Erni!

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