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terça-feira, 26 de julho de 2011
26 de julho de 2011 | N° 16773
CLÁUDIO MORENO
A mão e a escrita
Diziam os antigos – talvez por pura maledicência – que a Academia de Platão tinha concluído que ser bípede e não ter penas bastava para distinguir o homem de todos os demais seres vivos. Pois essa lendária definição, tantas vezes ridicularizada no passado, não desagradaria de todo a uma importante corrente da ciência moderna, que afirma que a humanidade nasceu no momento em que nosso antepassado se pôs de pé.
Ao nos tornamos bípedes, aquelas que seriam nossas patas dianteiras ficaram livres para se transformar em mãos – as quais, juntamente com a linguagem, são consideradas os traços fundamentais para a caracterização de nossa espécie.
A mão não se comporta como os outros órgãos – ela tem algo de particular e extraordinário. Como a linguagem, ela é veículo de significação; ela está ligada ao gesto, ao sinal; ela aponta, ela mostra, ela toma, ela oferece. Ela é a extensão mais importante do cérebro, e dele recebe, com justiça, um tratamento privilegiado.
Na escrita, mais do que nunca, os dois atuam juntos – um não manda no outro, mas são parceiros, num diálogo em que os músculos e a mente ensinam e aprendem ao mesmo tempo. Depois de automatizada, a escrita passa a ser uma dança em que o corpo e o espírito se movem em harmonia; só então se pode dizer, como Cervantes, que a mão que empunha a pena se tornou a língua de sua alma.
A partir desse momento, o jeito de traçar as letras, de ligar umas às outras, de cortar os tês ou pôr os pingos nos is passa a ser uma característica tão particular e inconfundível quanto o meu rosto ou minha voz.
Da mesma forma, os sinais que os pintores depõem em sua tela valem como verdadeiras impressões digitais. Quando o Papa enviou a Florença um emissário para pedir que Giotto, um dos grandes mestres do Renascimento, fornecesse uma amostra de seu trabalho, o pintor simplesmente tomou uma folha em branco e com sua pena, usando um vermelho muito vivo, traçou à mão livre um círculo tão perfeito que, diz Vasari, “era uma maravilha de se ver” – e isso foi suficiente.
Minha letra é também tão pessoal que basta minha assinatura para provar quem sou eu – e por isso mesmo, quando não quero ser identificado, vou me esconder na neutralidade da letra de fôrma.
Pois não é que agora, indiferentes a tudo isso, surgem vozes delirantes a dizer que é desnecessário o ensino da escrita cursiva na escola? Afinal, alegam, se nosso jovem só escreve mesmo no computador ou no celular, por que não alfabetizá-lo diretamente no teclado ou, no máximo, em letras de bastão?
Mas estão cegos e surdos? Não veem o que vamos perder? A criança de hoje deve aprender a usar o teclado, sem dúvida, mas como um acréscimo necessário à sua formação, e não à custa desta aliança essencial entre a mão e a linguagem. A perda seria irreparável.
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